Uma análise geral sobre o Brasil que será herdado pelo novo presidente da República e os novos governadores permite detectar que o país está infectado por um extenso conjunto de distorções econômicas graves, que precisarão ser enfrentadas rapidamente e por meio de soluções inteligentes capazes de recolocar o país no rumo do crescimento econômico e do desenvolvimento social. Além das questões econômicas existem vários flagelos sociais, alguns derivados dos problemas econômicos, outros não necessariamente. A primeira dessas distorções, e a mais grave de todas, é o baixo tamanho do Produto Interno Bruto (PIB), insuficiente para absorver a força de trabalho representada pelos 104 milhões de brasileiros que compõem a população economicamente ativa.
Com mais de um quinto da força de trabalho composto por desempregados, subempregados e desistentes na busca de emprego, o país vem desperdiçando uma enorme classe de pessoas, que poderiam estar participando da tarefa de aumentar o PIB e elevar a renda por habitante. Esse grave problema tem origem na recessão sofrida pelo país nos anos de 2015 e 2016, quando o PIB caiu 7% nos dois anos e fez o desemprego sair de 5% do total da força de trabalho e atingir, nos piores momentos, a 13%. Uma taxa de desemprego em torno de 4,5% é aceitável e normal, mas, acima disso, é sinal de que a economia está aquém de sua capacidade de gerar produto, renda, emprego e tributos.
O país vem desperdiçando uma enorme classe de pessoas, que poderiam estar colaborando para o crescimento do país
A segunda distorção, gravíssima, é a estrutura do gasto público em geral, nas três esferas da federação, que fez a dívida bruta do setor estatal chegar a 78% do PIB e manteve a persistência de déficits fiscais primários (receitas tributárias menos gastos antes do pagamento de juros da dívida). Disso resultou outra distorção que, se não for resolvida, será obstáculo ao crescimento do PIB nos próximos anos. Trata-se do baixo nível de investimentos públicos, principalmente na infraestrutura física e social (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, hospitais, escolas, etc.). O drama maior é que, se não houver interrupção dos déficits fiscais primários nos municípios, nos estados e na União, os investimentos não retornarão em níveis necessários e a dívida pública continuará crescendo rumo a um abismo perigoso.
Vale citar que os déficits fiscais e a trajetória da dívida pública foram agravados pela redução da arrecadação tributária resultante da queda do PIB nos anos de recessão e, nesse tempo, os governos nas três esferas da federação se mostraram incapazes de ajustar as contas. Uma lição já aprendida é que o setor estatal não consegue ajustar os gastos em períodos de crise e, por óbvio, muito menos em tempos de crescimento e prosperidade. Pelo contrário: vastas classes da estrutura estatal seguiram aumentando gastos e atribuindo benefícios a si próprias mesmo nas fases mais difíceis da queda de arrecadação. O último e mais barulhento exemplo da farra de gastos foi o aumento salarial solicitado pelo STF a seus ministros, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República. O estrago desse reajuste ameaça se espalhar por todo o setor estatal em razão de o teto do funcionalismo ter o salário dos ministros da suprema corte como referência.
A lista de problemas econômicos e financeiros inerentes ao setor estatal é longa e o quadro se apresenta bastante preocupante. Porém, é justamente na extensão da crise que há um amplo leque de oportunidades para o país começar e reescrever sua história tanto na gestão dos negócios públicos quanto na reestruturação macroeconômica necessária para promover o crescimento do PIB e o desenvolvimento social. Enquanto os países desenvolvidos, que superaram a pobreza há muito tempo, estão tratando da quarta revolução tecnológica moderna e suas consequências sobre o mundo do trabalho e o futuro do emprego, o Brasil ainda precisa percorrer, neste século 21, um caminho já percorrido por nações desenvolvidas nos séculos 19 e 20.
Há, entre outros, dois exemplos relevantes dessa realidade. Um está na questão da habitação. Para todos terem moradia digna, seria necessário construir 7,5 milhões de unidades residenciais. Outro é a questão do saneamento, em relação ao qual ainda há 45% da população cujo esgoto gerado não recebe qualquer tipo de tratamento, com efeitos graves em termos de poluição e contaminação de rios, lagos e outros mananciais onde os dejetos são lançados. Estima-se que, para dar acesso ao serviço de saneamento básico a todos os moradores das cidades até 2035, o custo total gira em torno de R$ 150 bilhões, o que é muito pouco para o período de 17 anos. Somente esses poucos dados mostram que o Brasil tem graves problemas, que constituem, por sua vez, um elenco de grandes oportunidades. A questão é saber quais são as melhores estratégias para governo e sociedade enfrentarem tais desafios.