Curitiba não é mais aquela. A frase que parece saída de algum idoso embriagado de saudade é corrente até entre gente jovem, já nascida em uma urbe verticalizada e com carros se atropelando pelas esquinas. Há de fato perplexidade, sem discriminação de sexo e idade. E a perplexidade aqui não é nostalgia de matinê é vida real, pois o que se vê é uma cidade mudando de roupa a olhos vistos.
Desde a década de 1970, quando a população viu sair do papel as diretrizes do Plano Diretor de 1966, o poder público fez da propaganda a alma do negócio. Jornais, tevês, outdoors passaram a estampar um projeto de cidade exclusivo, ora diferenciando a capital do estado dos outros 5 mil e tantos municípios brasileiros, ora o colocando no posto de modelo e de laboratório urbanístico.
Deu resultado. Urbanismo aqui virou quase um sotaque. Daí o espanto diante da nova planta entregue ao mestre de obras. Pergunta-se se teria acabado a era da cidade-modelo título que inclui ser um mostruário de soluções simples, com foco no homem da rua ou se um novo slogan está se formando, mas ainda não foi avisado nos backlights.
Não causaria espanto. Curitiba foi a Cidade Ecológica terra da Família Folhas , mas também a Capital Social. Ora se viu apresentada como lugar de altíssima qualidade de vida, ora como capital da cultura ou Capital de Primeiro Mundo, entre outros rótulos portentosos que deixaram título de Cidade Sorriso cada vez mais amarelado.
São variações para o tema. O mesmo não se pode dizer do rótulo que agora se forma já verificado na epidemia de binários e de prédios. O modelo de agora é o avesso daquele no qual a população passou a acreditar desde a década de 1970. E essa mesma população se belisca diante do que vê pela janela da sala.
O excelente estudo A reinvenção das cidades para um mercado mundial, da arquiteta e urbanista Fernanda Sánchez, aponta para o novo lugar que Curitiba ocupa desde 2000 a de "melhor lugar do Brasil para fazer negócios". O estopim dessa fase teria sido uma matéria publicada na revista Exame, em 2000, anúncio de que além de bela e bem resolvida a capital do Paraná era uma milionária mandando dólares pelos ares.
Os números se mostraram sob medida para fúrias capitalistas o potencial de consumo da capital seria de US$ 7,5 bilhões ao ano mais do que Campinas, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília. Na sarabanda dos cálculos, diz-se que a capacidade de consumo per capita do curitibano US$ 4.768 superava o dos paulistanos. Não é a informação mais impactante: 42% dos nascidos aqui estariam nas classes A e B, confirmando a cidade como um paraíso de consumo, candidata a um lugar no mapa do mundo no século 21.
Os números da reportagem não andam paripassu com os fornecidos pela prefeitura no documento Curitiba em Dados, bem menos alvissareiros. De qualquer modo, a informação fez crescer a massa do pão, habilitando a capital a assumir sua parcela city marketing o que exige salto alto, maquiagem e poder de compra. City marketing é sinônimo de aparência, mercantilização e exibicionismo. Sua metáfora: o bar temático, categoria armazém. Parece, mas não é.
Grosso modo, é como se a cidade estivesse desistindo de parecer com Paris para ter alguma parecença com Cingapura arranhando os céus e fazendo dos prédios espelhados o seu patrimônio para o futuro. Exagero, diriam. Mas é o que se tem tentação de afirmar diante de uma cidade que cada vez mais põe seu patrimônio abaixo, muda zoneamentos, valoriza suas avenidas e quem pode passar por elas motorizado.
Essa história já virou uma cantilena triste. Bom seria se a prefeitura assumisse o slogan de "cidade espetáculo", à venda para quem tiver um evento a oferecer, ajudando a população a colocar alguns verbos no passado. Era Capital Social. Era Cidade Ecológica. Agora, prepara-se para ser um centro pirotécnico, com economia vibrante, alto poder de consumo, onde se pode andar de carro como se fosse Los Angeles vendo pelo retrovisor a vitória de uma arquitetura autista, incapaz da mais simples das tarefas: dialogar com a calçada.
Há senões. Nesse modelo a cidade se converte em uma mercadoria como tantas, debaixo da batuta de um gerente e suas metas. O consumidor, aliás, se torna o cidadão por excelência. A vida se organiza em torno dos centros de gastança, atualizando com mais fumê e dourado o espírito medieval. Cidades não eram para ser usadas por gente, cidades serviam para enriquecer os mascates.
Nos idos, Curitiba virou uma vitrine de até onde podia nos levar o "milagre econômico". Cidade inovadora de baixo custo, com transporte eficiente e espaços de lazer e de cultura. Por ironia, em tempos de ditadura foi moldada para ser a mais democrática das urbes, uma espécie sonho possível circulando pelas canaletas. Os defensores da nova plumagem de Curitiba podem argumentar que a cidade de agora mais agressiva e menos parecida com ela mesma é uma resposta aos sinais dos tempos. A cidades passa por uma nova colonização apertem os cintos.
Bem se gostaria de saber aonde isso vai nos levar. É de direito.