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Editorial

2021 será mais um ano de derrotas no combate à corrupção?

(Foto: Pedro França/Agência Senado)

O eleitor foi às urnas em 2018 disposto a manifestar sua vontade firme de que o combate à corrupção fosse fortalecido. Dois anos antes, a era lulopetista no Planalto havia terminado. O impeachment de Dilma Rousseff foi causado pelos crimes de responsabilidade cometidos pela então presidente com suas “pedaladas fiscais”, fazendo do orçamento federal uma peça de ficção, mas o período do PT no poder entrará para a história como a era dos grandes escândalos de corrupção, como o mensalão e o petrolão, esquemas que foram além da roubalheira para enriquecimento pessoal, sendo autênticas tentativas de fraudar a democracia brasileira. Este anseio da população, no entanto, vem sendo frustrado ano após ano, e as perspectivas para 2021 não são nada animadoras.

Em 2019, o Congresso aprovou uma absurda Lei de Abuso de Autoridade, que mais poderia ser descrita como a lei da retaliação dos investigados e réus contra seus investigadores e julgadores. Aprovou, também, um pacote anticrime bastante desfigurado, retirando alguns pontos e incluindo outros que iam na direção contrária à do endurecimento contra os bandidos. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal derrubou a possibilidade de início de cumprimento da pena após condenação em segunda instância e começou a anular condenações da Lava Jato apesar de os processos terem sido conduzidos em estrita obediência à lei.

No ano passado, o fato de a pandemia ter se tornado o centro das atenções não impediu novos retrocessos – talvez até os tenha facilitado, já que as preocupações eram outras –, como a ameaça de desmantelamento da força-tarefa da Lava Jato e a perseguição aberta ao então coordenador do grupo, o procurador Deltan Dallagnol, punido por exercer sua liberdade de expressão. Além disso, a tentativa de ingerência governamental na Polícia Federal foi o estopim da saída do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. No Supremo, a Segunda Turma anulou uma condenação no caso Banestado alegando que Moro havia extrapolado suas funções, quando ele simplesmente fez o que a lei lhe permitia fazer. E, no fim do ano, uma liminar do ministro Kassio Nunes Marques enfraqueceu a Lei da Ficha Limpa.

O retrocesso no combate à corrupção não está apenas naquilo que o Congresso pode aprovar, mas também naquilo que o Legislativo deseja manter parado

Para este ano, o “pacote de maldades” já está sendo preparado. Reportagem da Gazeta do Povo mostra três assuntos que devem entrar na pauta de Câmara e Senado e que, se aprovados, tornarão ainda mais fácil a vida de quem se dedica a desviar dinheiro público, e mais difícil a já árdua tarefa daqueles que tentam investigar e punir tais crimes. Uma Lei Geral de Proteção de Dados Criminais, proposta sob o manto do cuidado com as informações privadas, poderá ser usada para atrapalhar e até inviabilizar investigações. O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chamou advogados de investigados, réus e condenados por lavagem de dinheiro para propor alterações na legislação sobre o tema, e a tendência é a de que a comissão de juristas queira tornar a lei bem mais branda. O mesmo destino pode ter a Lei de Improbidade Administrativa, cuja alteração está mais adiantada no parlamento – já existe um substitutivo, redigido pelo petista Carlos Zarattini, mas que também tem apoio do líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

O retrocesso não está apenas naquilo que o Congresso pode aprovar, mas também naquilo que o Legislativo deseja manter parado. É o caso, por exemplo, dos vários projetos de lei e PECs que tentam restabelecer a prisão após condenação em segunda instância. Alguns deles já existiam antes mesmo da decisão do Supremo de 2019, e vários outros vieram na esteira daquele julgamento. As estratégias são várias, alterando não apenas a Constituição, mas também o Código de Processo Penal – o que é necessário, para que não reste nenhuma contradição entre os dois textos. Nenhum dos projetos, no entanto, avançou em 2020. Alguns grupos de parlamentares estão condicionando seu voto para a presidência da Câmara e do Senado ao compromisso de colocar o tema em pauta, mas o assunto não parece estar nas prioridades da maioria dos eleitores.

Todo o histórico da atual legislatura nos projetos sobre corrupção mostra que a renovação parlamentar de 2018 não foi ampla o suficiente para impedir aquilo que os protagonistas da Operação Lava Jato afirmavam quase que desde o início das investigações que revelaram o esquema do petrolão. Os políticos corruptos não assistiriam a tudo aquilo sem reagir, e o fariam usando as ferramentas que têm à mão: a aprovação de leis que tornariam impossível uma repetição da limpeza que a Lava Jato vinha promovendo. Acontecera na Itália depois da Operação Mãos Limpas, e vem ocorrendo no Brasil, exatamente como previram Moro e os procuradores da força-tarefa.

Cada projeto aprovado e cada decisão judicial como o que foi acima descrito deixa o Brasil mais longe de uma inserção internacional mais ampla – é o caso do almejado ingresso na OCDE, que exige do país um processo exatamente inverso ao que vem ocorrendo, levando a entidade a se manifestar abertamente sobre os retrocessos no combate à corrupção. Mas não é apenas isso: as vitórias da bancada da impunidade minam as esperanças de um país mais justo, onde há respeito pelo dinheiro do cidadão.

Será preciso, então, esperar até 2022 para aprofundar as mudanças no Congresso? Uma possível resposta está em um julgamento emblemático ocorrido no Supremo em dezembro. A corte estava pronta para rasgar a Constituição e permitir a reeleição para as presidências da Câmara e do Senado dentro de uma mesma legislatura, mas a pressão da opinião pública conseguiu reverter um resultado que parecia certo. A combinação da pressão do eleitor e da ação firme dos parlamentares comprometidos com a ética na política pode impedir a concretização dos prognósticos nada animadores para 2021.

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