Questões como definição de prioridades, senso de oportunidade e ritmo adequado de trabalho não parecem ser o forte da Câmara dos Deputados. Isto se revela pelo menos no processo de discussão e aprovação da proposta do Fundo Soberano do Brasil. No momento em que a situação da economia mundial era favorável, meses atrás, a Câmara deixou escapar a melhor hora para aprovar a proposta inspirada pelo Executivo. Em vez disso, os deputados estavam em "recesso branco", pensando nas eleições ou preocupados com o trancamento das pautas.

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Só agora o projeto do Fundo Soberano é analisado pelo Congresso, justamente no meio da crise da economia mundial, um momento de turbulência e de incertezas, em que a prudência na utilização dos recursos do tesouro é a única atitude recomendável. Mesmo assim, para cumprir uma determinação do Palácio do Planalto, sem uma discussão mais profunda com a sociedade, a maioria governista aprovou o texto-base do projeto do deputado Pedro Eugênio (PT-PE), por 291 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções. Para amanhã, está prevista a votação de destaques que podem alterar o texto final. Passada esta etapa, o projeto será encaminhado para a votação no Senado.

O Fundo Soberano é uma aplicação de parte das reservas internacionais do Brasil em investimentos de maior risco e retorno. China, Cingapura e Arábia Saudita já adotaram essa solução. A China, por exemplo, aplica US$ 300 bilhões em ações e outros ativos. Com quase US$ 200 bilhões em caixa, antes da crise, o Brasil era a oitava maior reserva internacional do mundo. Se por um lado este dado é bom para o país, pois reduz a vulnerabilidade a crises externas, como de fato está ocorrendo, traz também uma conseqüência negativa: a baixa rentabilidade destes recursos, já que a maior parte está aplicada em títulos dos EUA, que rendem por volta de 4,5% ao ano.

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Hoje, especialitas de bom senso questionam o momento de implementação do fundo. Quando a idéia surgiu com força, há alguns meses, a perspectiva era de crescimento das reservas brasileiras. Havia crédito internacional farto e imaginava-se que o país se transformaria em grande exportador de derivados do petróleo da camada pré-sal, diante do horizonte de crescimento econômico mundial.

Com a bancarrota do mercado financeiro e as perspectivas de recessão mundial, todavia, surgiu outra realidade. As reservas do país ficaram comprometidas com a necessidade de se combater os efeitos da crise. O crédito internacional, mesmo com todas as medidas dos bancos centrais, ficou restrito. A hora não é boa para obter no exterior os gigantescos recursos essenciais para explorar o petróleo do pré-sal.

Existem outras condicionantes negativas. Em vez do superávit fiscal, o Brasil está com déficit nominal acima de 2% do PIB. O governo brasileiro gasta mais do que arrecada; precisa cortar despesas, mas não o faz. Para ter uma poupança, ainda mais para aplicá-la em investimentos de risco global, é preciso ter recursos de sobra.

Uma maneira mais acertada de apoiar as empresas brasileiras no exterior, como pretende o ministro da Fazenda, Guido Mantega, com os recursos do fundo, seria fazer ajustes tributários capazes de tornar o investimento no Brasil mais atrativo.

Criar um fundo soberano neste momento é um erro que já foi trocado em miúdos pelo economista Roberto Troster: seria como um consumidor entrar no limite do cheque especial para aplicar na poupança.

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