Primeiro ponto: o delegado federal Protógenes Queiroz, coordenador da Operação Satiagraha, é acusado de ter cometido graves excessos, atentando contra princípios-mestres do Estado Democrático de Direito. Segundo ponto: graças ao trabalho desse policial, a população confirmou a existência de uma grande teia de corrupção alimentada pelo tráfico de influência entre poderosos endinheirados e altos escalões oficiais. Terceiro ponto: com base nas investigações do delegado, a Justiça conta agora com a possibilidade de enquadrar criminalmente e de condenar os participantes do grupo delinquente.

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Esses três aspectos precisam ser devidamente sopesados em qualquer exame equilibrado que se fizer acerca da polêmica instalada no país a partir de meados do ano, quando, para espanto geral, um banqueiro famoso foi preso, algemado e mostrado nas telas dos telejornais – sem dúvida, uma cena sem precedentes na vida nacional. A simpatia popular de que imediatamente passou a gozar o delegado Protógenes, autor da façanha e alçado à condição de vingador dos brasileiros revoltados com a renitente corrupção que corrói as instituições, não é razão suficiente, porém, para absolvê-lo das supostas agressões às regras. Seria, no caso, referendar a visão cínica segundo a qual os fins, por mais nobres, justificam quaisquer meios.

De qualquer modo, não se deve desconhecer que, a despeito da utilização de métodos condenáveis – dentre os quais o das alegadas escutas ilegais, inclusive de autoridades –, o policial apresentou resultados inestimáveis. A questão que se coloca, pois não diz respeito a tais bons resultados, mas deve se circunscrever às ilegalidades cometidas ao longo das investigações e sobre o que fazer para que não se repitam – sem prejuízo, contudo, da eficiência e da eficácia do trabalho policial.

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Ideias surgiram nos últimos dias visando a coibir excessos e a manter investigações autorizadas dentro dos estritos ditames constitucionais. Uma delas partiu do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ele próprio listado entre as vítimas dos grampos clandestinos que teriam sido instalados a mando do delegado Protógenes. Mendes propôs a criação de um órgão vinculado à Justiça Federal encarregado de fiscalizar as polícias Federal e estaduais. Outra ideia partiu do senador piauiense Heráclito Fortes (também uma das vítimas de escuta), que pretende a criação de um colegiado formado por juízes, procuradores, advogados e cidadãos representantes da sociedade civil com a mesma missão de fiscalizar e controlar.

Embora tenham o defeito de, em ambos os casos, criarem estruturas que, na prática, seriam fiscais dos fiscais – o que, no futuro, pode ensejar a criação de outras, destinadas a fiscalizar os fiscais dos fiscais, numa cadeia interminável –, ambas as sugestões devem ser consideradas um avanço diante da fragilidade dos controles atualmente vigentes. Pela Constituição, cabe ao Ministério Público exercer a fiscalização sobre as polícias, mas os frequentes abusos que diariamente chegam à tona demonstram cabalmente a insuficiência desse meio. O que, sem dúvida, justifica a idealização de mecanismos alternativos aparentemente mais efetivos como os sugeridos.

As propostas que neste momento são apresentadas, no calor da polêmica e diante do conhecimento parcial dos fatos, poderão, no entanto, ser melhor apreciadas quando chegar à opinião pública a verdadeira extensão das operações protagonizadas pelo delegado Protógenes Queiroz. É o que se espera poderá acontecer no próximo dia 1º de abril, quando o policial deporá perante a CPI dos Grampos da Câmara Federal. Ao seu depoimento se seguirá o do ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin), delegado Paulo Lacerda, sobre o qual pesam também acusações de abuso e desvio de funções.

A promessa é de que, nesta oportunidade, sejam revelados os meandros da Operação Satiagraha – o que, se de fato a expectativa se confirmar, nos será apresentada a suposta existência de relações promíscuas e ilegais entre a Polícia Federal e a Abin, de operações de vindita e acobertamento de autoridades, e de envolvimento de bem colocadas autoridades em ações criminosas. Se assim for, seguramente não bastarão as sugestões de Gilmar Mendes e Heráclito Fortes.