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Editorial

Propostas para a inflação e o crescimento

Renda fixa
Fenômeno da inflação é global, embora no caso brasileiro haja alguns fatores específicos que empurram os preços para cima. (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

A economia (com inicial minúscula) é o sistema que utiliza os fatores de produção – recursos naturais, trabalho, capital e iniciativa empresarial – e os coloca em movimento, com o auxílio do conhecimento tecnológico dominado, para produzir, distribuir, circular, consumir e acumular (investimento) bens materiais e serviços. Simplificando, é um sistema de produção de bens e serviços destinados a atender necessidades e desejos da população. Em um regime fundado na liberdade, a economia funciona com o direito de propriedade privada dos meios de produção – o que não exclui a propriedade estatal; ambas convivem e se complementam –, a organização empresarial da produção e o trabalho assalariado, cujas trocas se fazem em mercado livre e em regime de concorrência.

O mercado livre e o processo de trocas se dão com base nos preços dos bens e serviços, expressos em unidades monetárias, no qual a elevação generalizada e contínua de preços recebe o nome de inflação (do verbo inflar, aumentar). O estudo e observação de como funciona esse sistema de produção, circulação, distribuição, consumo e acumulação deu origem à “Ciência Econômica”, ou simplesmente Economia (com inicial maiúscula), e foi construído um corpo teórico de leis, princípios e conceitos, sendo alguns de natureza física e imutáveis, e outros de natureza sociológica e política – portanto, sujeitos a discordâncias entre correntes diferentes de pensamento.

A inflação é um dos assuntos mais complexos e mais difíceis de mensurar e entender, pois ela surge em circunstâncias as mais variadas e o laboratório de que dispõem os cientistas para seu estudo é a nação como um todo e seu movimento em períodos longos

A Ciência Econômica, para fins de estudo, dividiu seu corpo teórico em dois conjuntos. Um, a Macroeconomia, que estuda a economia nacional por meio do modelo dos “agregados macroeconômicos”, como um sistema aberto submetido a vários componentes sociológicos e políticos. O outro conjunto é a Microeconomia, que estuda partes da economia nacional e se dedica, sobretudo, à compreensão do funcionamento de uma empresa como um sistema fechado e, nela, a formação de custos, preços, salários e lucros. Para os economistas ortodoxos, quando ocorre uma elevação generalizada e contínua dos preços, esse movimento é o efeito do que para eles é a inflação: aumento de emissão de dinheiro sem o correspondente aumento na produção nacional. Atualmente, a palavra “inflação” está consolidada como sendo o movimento de aumento dos preços, seja por efeito de fabricação de dinheiro pelo governo ou por outras razões.

Os dois tipos mais comuns de inflação são a inflação de demanda (quando a procura por produtos é maior que a oferta) e a inflação de custos (quanto os preços de oferta dos produtos aumentam em razão do aumento de custos de produção). A inflação é um dos assuntos mais complexos e mais difíceis de mensurar e entender, pois ela surge em circunstâncias as mais variadas e o laboratório de que dispõem os cientistas para seu estudo é a nação como um todo e seu movimento em períodos longos. As ciências sociais padecem da chamada “dificuldade de laboratório”, ou seja, suas teorias dependem de experimentos e observação dos fatos da vida social em períodos longos, durante os quais a realidade social acontece. O Brasil constituiu um dos maiores e complexos casos de inflação alta e longa, tornando-se um laboratório para os estudiosos na tentativa de compreender esse fenômeno econômico e social do qual país nenhum escapa.

Somente nos últimos 60 anos, o Brasil experimentou vários surtos inflacionários e fez tentativas diversas – algumas heterodoxas – para enfrentar o mal. Nesse período, o processo inflacionário começou em 1963, com inflação de 80% no ano, subiu para 92% em 1964, e deu uma trégua quando a dupla Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões (ministros do Planejamento e da Fazenda respectivamente) adotou um severo plano anti-inflacionário. Porém, após a grave crise internacional do petróleo em 1973-1974, a inflação retornou aos 46,3% em 1976, seguiu crescendo até os 77% em 1979 e não mais parou. Quando José Sarney assumiu a Presidência da República, em 1985, a inflação chegou ao patamar de 242,2% em seu primeiro ano de governo e nunca mais parou de crescer, a não ser por períodos curtos sequentes à implantação de planos econômicos que duravam alguns meses e depois explodiam.

Em 1986, a inflação caiu para 79,6% no ano, porém, sem mudanças estruturais capazes de realmente acabar com o processo inflacionário; já em 1988 o país atingia a assustadora hiperinflação de 980% e seguiu piorando até o ano de 1993, quando a inflação oficial foi de 2.477%. Esse histórico precedeu a implantação do Plano Real, em 1994, elaborado pela equipe formada pelo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, e conseguiu debelar aquele processo insano, responsável pelo aumento da pobreza e da desigualdade social. O reconhecimento popular veio na eleição e reeleição de Fernando Henrique para presidente da República, em primeiro turno nas duas vezes.

Tem sido norma que as picuinhas, as intrigas e os assuntos menores da briga partidária dominem as manchetes, os debates e as publicações, em detrimento das grandes questões nacionais realmente importantes

O ano de 2022 está sendo marcado por elevação da taxa de inflação em vários países do mundo, e uma das causas é comum: todos tiveram pandemia, fizeram isolamento social, a economia parou, empresas trancaram as portas, os trabalhadores foram retidos em casa, o desemprego disparou e a situação social se agravou a ponto de, apesar dos auxílios emergenciais dos governos, não ser possível evitar a recessão e a pobreza. A inflação que está em plena ocorrência no Brasil e diversas outras nações tem as mesmas causas, embora muito distante do quadro de hiperinflação vivida no passado. A desordem produtiva da economia gerou um choque de oferta (produção insuficiente para atender a demanda, mesmo com a queda do consumo) que já seria suficiente para pressionar os preços para cima. Adicione-se a crise hídrica, no caso específico brasileiro; e, neste ano, a guerra iniciada em 24 de fevereiro com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e tem-se aí um quadro que ajuda a explicar a inflação renitente.

Uma grande prioridade para os primeiros anos do governo a ser eleito em outubro próximo é o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), como meio de elevar o nível de emprego e a renda por habitante. Este tema deveria estar no centro dos estudos, análises e debates nas eleições estaduais e federais deste ano. É importante chamar a atenção dos políticos, especialmente dos candidatos, para que se conscientizem do problema e suas causas, e tratem das medidas de política econômica que combinem estímulo ao crescimento e combate à inflação, empreitada que não é das mais fáceis. Infelizmente, tem sido norma que as picuinhas, as intrigas e os assuntos menores da briga partidária dominem as manchetes, os debates e as publicações, em detrimento das grandes questões nacionais realmente importantes. Cabe à população e suas lideranças fazerem pressão sobre os candidatos para que expliquem suas ideias e propostas.

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