Uma prova de que às vezes basta um simples ato administrativo para se eliminar um peso descabido imposto a cidadãos ou empresas está em uma portaria assinada na semana passada pelo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni. O texto elimina a chamada “prova de vida” presencial, na qual o aposentado ou pensionista era obrigado a se dirigir a alguma unidade bancária ou do INSS todo ano, para demonstrar que estava vivo e poder continuar a receber seu benefício.
A “prova de vida” tem sua razão de ser, pois uma das fraudes mais comuns relacionadas à Previdência é a continuação do recebimento do benefício mesmo depois do falecimento do aposentado; o esquema montado pela mais notória fraudadora da Previdência brasileira, a advogada Jorgina de Freitas, envolvia indenizações milionárias pagas a pessoas mortas em processos forjados. Que seja necessária alguma comprovação periódica de que o aposentado está vivo é algo bastante razoável, embora haja diversas maneiras de fazê-lo – e é aqui que reside a distorção que a nova portaria governamental ataca.
Não se trata de simplesmente revogar uma formalidade que continuará sendo necessária – pois o objetivo de coibir as fraudes previdenciárias jamais desaparecerá –, mas de buscar os meios para que ela possa ser cumprida da forma mais simples possível
Até agora, a obrigação impunha um fardo para milhões de idosos, especialmente aqueles com idade mais avançada ou dificuldades evidentes de locomoção, que precisavam se submeter a um enorme sacrifício apenas para comprovarem que estavam vivos, como se a presença diante de um funcionário de um banco ou do INSS fosse a única maneira possível de realizar tal comprovação – até havia a possibilidade, para brasileiros com mais de 80 anos ou com dificuldades de locomoção, de solicitar uma visita domiciliar, mas para isso seria necessário enfrentar a burocracia de um agendamento.
O enorme rol de ações que o governo passará a considerar válidas como “prova de vida” demonstra que há muito tempo já não era preciso impor tal obrigação aos brasileiros que recebem benefícios da Previdência. Um simples cruzamento de dados de órgãos do próprio poder público, ou mesmo de instituições privadas, bastaria para que o INSS tivesse a necessária comprovação de que determinada pessoa está viva, e é exatamente isso que a portaria prevê. Emissão ou renovação de documentos como passaporte ou habilitação, vacinação, atendimento em unidades de saúde, tomada de empréstimo consignado, votação nas eleições, declaração de Imposto de Renda, até mesmo o simples acesso a algum aplicativo do governo que exija controle de acesso – tudo isso será aceito como prova de vida a partir de agora.
Na hipótese de o beneficiário não realizar nenhum desses atos ao longo de determinado período, ele será notificado para realizar a “prova de vida” por meio eletrônico; como último recurso, um funcionário do INSS, ou mesmo dos Correios ou de uma instituição financeira, irá à residência do aposentado, de acordo com José Carlos Oliveira, presidente do INSS. “A partir de agora, a obrigação de fazer a prova de vida é do INSS”, resumiu.
Não se trata, portanto, de simplesmente revogar uma formalidade que continuará sendo necessária – pois o objetivo de coibir as fraudes previdenciárias jamais desaparecerá –, mas de buscar os meios para que ela possa ser cumprida da forma mais simples possível, sem submeter os cidadãos a tarefas desnecessárias ou desproporcionais. As novas regras para a “prova de vida”, estabelecidas por meio de um ato simples, que não exigiu complicadas negociações políticas nem maiorias parlamentares, precisam se tornar o modelo para que, aos poucos, seja desmontada a célebre “República cartorial” que esmaga brasileiros por meio da burocracia.
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