Além da mentira pura e simples, a censura antidemocrática e inconstitucional: estas são as armas do petismo para impedir que o eleitor saiba quem são e o que fazem os amigos de Lula na América Latina, e o sofrimento que eles impõem aos povos que vivem sob o seu jugo. É por isso que, depois de pedir e conseguir a censura de dezenas de publicações em mídias sociais (inclusive desta Gazeta do Povo) sobre a aliança entre Lula e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, o PT voltou a acionar o TSE, desta vez pedindo a remoção de conteúdos do próprio site da Gazeta, além de pretender que o jornal não produza novos conteúdos sobre o apoio do petismo aos regimes ditatoriais latino-americanos. O pedido está nas mãos do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o mesmo responsável pela censura promovida no início deste mês; uma definição pode sair a qualquer momento.
Basta a simples leitura da reportagem que o PT quer tirar do ar para que a mentira petista fique evidente. A amizade que une Lula e Ortega dura décadas, ao menos desde a fundação do Foro de São Paulo. As evidências apresentadas ao longo do texto são tantas que chega a ser inacreditável que os advogados petistas as classifiquem como “desinformação”, “conteúdos sabidamente inverídicos” e – a cereja do bolo – “fantasiosa relação de Lula com o ditador Ortega”, já que essa relação não tem absolutamente nada de “fantasiosa”, embora seja notável o ato falho que reconhece o caráter ditatorial do regime nicaraguense. Ressalte-se que a solicitação petista falha grotescamente em apontar onde estariam as mentiras em cada um dos fatos descritos na reportagem, limitando-se à tentativa genérica de desqualificação e à alegação de que ela constituiria “propaganda eleitoral negativa”, quando na verdade estamos falando não de propaganda, mas de jornalismo feito com o rigor que o assunto exige, e da exposição de fatos que o eleitor tem todo o direito de conhecer para ajudá-lo a formar a decisão que tomará diante das urnas no dia 30.
Os ditadores de esquerda latino-americanos são apoiados por Lula e pelo PT, e ainda o são mesmo depois de o caráter ditatorial de seus regimes estar evidente a todos. “Fantasioso” não é expor tudo isso ao leitor brasileiro; é pretender que tudo isso jamais tenha existido
A ânsia de mentir do petismo é tão grande que se partiu até mesmo para a tentativa de negar, contra todos os fatos, que exista uma relação de parceria ideológica entre Lula e Ortega, quando seria mais simples tentar alegar que a relação existe, mas que o petista não aprovaria os métodos ditatoriais de seus amigos. Mas até nisso o petismo falharia, pois o que não faltam são manifestações de endosso petista a cada vitória eleitoral forjada – não apenas na Nicarágua, mas também na Venezuela bolivariana –, além do silêncio total a respeito da repressão promovida pelos regimes nicaraguense, venezuelano e cubano. Se Lula ou o PT desaprovam ações de seus comparsas, jamais tornaram pública tal reprovação.
O leitor/eleitor que buscar uma palavra de Lula e do PT a respeito do fechamento de igrejas e da prisão de religiosos na Nicarágua, ou da violência estatal promovida para reprimir protestos de rua na Venezuela e em Cuba, terá procurado em vão. O mais perto que Lula chegou de criticar Ortega foi feito de forma condicional, quando, em entrevista ao El País, o petista comparou a longevidade de Ortega no poder (fruto de violência, mudanças constitucionais e fraude eleitoral) ao período de governo de Angela Merkel na Alemanha, uma democracia parlamentarista. Foi necessário que as repórteres do diário espanhol lembrassem Lula de que os adversários de Ortega foram presos ou exilados, ao que o petista respondeu: “Se o Daniel Ortega prendeu a oposição para não disputar a eleição como fizeram no Brasil contra mim, ele está completamente errado”. A “crítica”, assim, vem acompanhada de um esperto “se”, além de Lula não resistir à menção da própria prisão, ocorrida não para alijá-lo do pleito de 2018, mas devido a uma condenação judicial baseada em fartas evidências.
O oposto, sim, é muito mais frequente. Na mesma entrevista ao El País, Lula minimizou a severa repressão cubana aos protestos de julho de 2021 dizendo que “a polícia bate em muita gente, no mundo inteiro a polícia é muito violenta”. Logo após as manifestações por liberdade, as maiores na ilha em muitas décadas, o partido divulgou comunicado de “apoio ao povo e ao governo cubano” sem mencionar os protestos e culpando os Estados Unidos pelas mazelas que o comunismo impõe a Cuba. O roteiro se repete em praticamente todos os casos em que os povos oprimidos pelos ditadores amigos do petismo tentam se insurgir contra seus algozes. Na “menos pior” das hipóteses, as notas petistas se limitam a falar em “violência” de forma genérica, sem imputar abusos aos governos amigos, insinuando que se trata de conflito generalizado ou que eles apenas responderam a agressões anteriores.
- O apoio de Lula a Ortega, o novo tabu eleitoral (editorial de 5 de outubro de 2022)
- O monstro da censura se alastra (editorial de 6 de outubro de 2022)
- Na novilíngua eleitoral, censura é “defesa da democracia” (editorial de 21 de setembro de 2022)
- A falsa narrativa do “Lula democrata” (editorial de 10 de março de 2021)
Estas são as verdades que o petismo tenta, agora, esconder recorrendo à censura. Os ditadores de esquerda latino-americanos são apoiados por Lula e pelo PT, e ainda o são mesmo depois de o caráter ditatorial de seus regimes estar evidente a todos. Este apoio vai além de mera amizade, manifestando-se de forma institucional por meio do Foro de São Paulo e por negócios mui amigos realizados com Nicarágua, Cuba e Venezuela durante a passagem petista pelo Palácio do Planalto. O petismo não criticou e não critica os abusos cometidos por Fidel Castro, Raúl Castro, Miguel Díaz-Canel, Hugo Chávez, Nicolás Maduro e Daniel Ortega. “Fantasioso” não é expor tudo isso ao leitor brasileiro; é pretender que tudo isso jamais tenha existido.
Por isso, é obrigação do Poder Judiciário resistir a todas essas tentativas de macular o debate político pela via da censura, da supressão de informação indubitavelmente verdadeira. É justamente porque o período eleitoral é especialmente desafiador na missão de separar a verdade da mentira e da desinformação que os tribunais têm o dever especial de tratar cada demanda da forma mais criteriosa possível, sem embarcar no afã censor que vem, infelizmente, marcando decisões recentes das cortes eleitorais, uma tendência que é urgente reverter.
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, diz o inciso IX do artigo 5.º de nossa Constituição. “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, continua a Carta Magna em seu artigo 220, que ainda afirma, em seu parágrafo 2.º, que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Lula e suas linhas auxiliares na política e na opinião pública passaram meses descrevendo o petista como a encarnação da democracia em oposição a um suposto autoritarismo. Mas autênticos democratas não pedem censura, não ordenam censura, não aplaudem censura nem se omitem diante da censura. A torpeza do petismo se revela mais uma vez nesta tentativa ignominiosa de abolir as liberdades de expressão e de imprensa, calar o bom jornalismo e esconder do eleitor a verdade sobre os regimes que o petismo mais admira.
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