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Gleisi Hoffmann
Gleisi Hoffmann está entre os petistas que insuflaram a militância para hostilizar jornalistas que revelaram escândalo das audiências da “dama do tráfico”.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Velhos vícios já são difíceis de extirpar por natureza, e o são ainda mais quando não há o menor interesse em mudar. A hostilidade petista contra a imprensa livre é um desses vícios. A divulgação do escândalo da “dama do tráfico” pelo jornal O Estado de S.Paulo serviu para disparar uma reação tão virulenta quanto antidemocrática – e previsível para quem tenha um mínimo de memória histórica. Em vez de sanar todos os erros (ou conivências) que permitiram a Luciane Barbosa Farias, esposa de um dos maiores traficantes da Amazônia, circular tranquilamente no centro do poder federal, o que líderes petistas, ministros de Estado, parlamentares e formadores de opinião alinhados com o governo Lula fizeram foi iniciar um linchamento virtual contra o jornal e, especialmente, contra a editora-executiva Andreza Matais.

A ferramenta favorita da campanha sórdida foi a divulgação de fake news, como no caso de uma denúncia falsa contra Matais supostamente apresentada ao Ministério Público do Trabalho, publicada inicialmente pelo site de esquerda Fórum e espalhada rapidamente por políticos e militantes petistas. Além disso, o petismo recorreu à falácia do “espantalho”, tentando atribuir às reportagens algo que elas não diziam para poder atacar o trabalho de investigação jornalística. Os textos publicados não afirmavam, por exemplo, que o ministro Flávio Dino tivesse recebido a “dama do tráfico”, ou mesmo que soubesse das audiências de Luciane com secretários do Ministério da Justiça, muito menos que fosse simpático ao tráfico ou ao Comando Vermelho, afirmações que o petismo se vangloriou em “desmentir” sem que elas jamais tivessem sido feitas. O trabalho de reportagem se ateve ao factual: os encontros ocorreram e foram confirmados pelo próprio Ministério da Justiça, que inclusive se viu na obrigação de rever seus protocolos para impedir que episódios semelhantes se repetissem.

A hostilidade à imprensa livre é incompatível com a democracia, e por isso mesmo jamais nos foi possível aceitar o discurso que descrevia Lula como o representante “democrático” na disputa presidencial de 2022

Incapaz de negar a verdade dos fatos, a esquerda partiu para a difamação. Foi assim que o youtuber Felipe Neto chamou Matais de “dama das fake news, para depois, muito hipocritamente, apagar a publicação quando o apelido já tinha se disseminado e fazer um mea culpa de araque. No X (antigo Twitter), ele pediu desculpas a Matais, disse que “não é certo expor sua foto ou incentivar qualquer tipo de perseguição a ela”, mas não deixou de criticar “sua [de Matais] forma de conduzir um jornalismo antiesquerda” e ainda encerrou com um ataque ao Estadão – ao qual “não deixo qualquer pedido de desculpas” –, perguntando “quem financia esse jornaleco da direita”. É assim que funciona a tal “rede de defesa da verdade” que o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social, disse querer formar em janeiro, na versão 2023 da Militância em Ambientes Virtuais (MAV) criada pelo petismo em 2011.

Os MAVs, como se sabe, nunca se contentaram em ficar apenas no “virtual”. Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial de 2014, centenas de militantes atacaram e vandalizaram a sede da Editora Abril, em São Paulo, depois que a revista Veja publicara uma reportagem afirmando que Lula e Dilma Rousseff tinham conhecimento do esquema de corrupção na Petrobras. Em 2017, a jornalista Miriam Leitão compartilhou um voo de Brasília ao Rio de Janeiro com dezenas de petistas que voltavam um congresso do partido; passou duas horas sendo hostilizada e ouvindo xingamentos, e por pouco não foi agredida fisicamente. Episódios como esses foram consequência lógica de um raciocínio que havia sido exposto pelo então presidente do PT, Rui Falcão, em 2013: para ele, a imprensa livre e o Ministério Público, ao investigar a corrupção dos governos petistas, estariam abrindo caminho “para experiências que no passado levaram ao nazismo e ao fascismo”. Se fascistas não merecem tolerância, a conclusão seria óbvia.

A hostilidade à imprensa livre é incompatível com a democracia, e por isso mesmo jamais nos foi possível aceitar o discurso construído assim que Lula se tornou um ficha-limpa e que o descrevia como o representante da democracia contra um suposto autoritarismo representado por Jair Bolsonaro. Os ataques petistas ao Estadão surpreendem apenas quem quis ser surpreendido e quem acreditou, quis acreditar e tentou fazer outros acreditarem, por um momento que fosse, que Lula e o PT haviam mudado, ou que a “frente ampla” construída durante o período eleitoral os levaria à moderação. A essência do partido e de seu líder supremo é julgar tudo e todos não pelos critérios normais de verdade ou justiça, mas de conveniência. E, se a liberdade de imprensa não convém em nada ao petismo, ele não hesitará em relativizá-la ou mesmo tentar aboli-la.

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