Na economia de mercado, é elementar a regra de que, quanto mais unidades alguém puder comprar, menor deverá ser o preço de cada unidade. Em outras palavras, é isso que faz a diferença entre comprar no atacado e comprar no varejo. Mas a regra não é seguida pelo governo federal quando se trata de comprar espaço ou tempo de propaganda vendidos pelos veículos de comunicação. Revelou-se agora que, proporcionalmente, o governo da presidente Dilma Rousseff chega a pagar mais de 1.000% mais caro por anúncios publicitários veiculados em canais de baixa audiência ou circulação coincidentemente os que mais prestam "serviços" à política oficial.
Graças a uma decisão judicial obtida no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em favor de uma ação movida pelo jornal Folha de S.Paulo e pelo jornalista Fernando Rodrigues, o governo foi obrigado a cumprir a Lei da Transparência e, pela primeira vez, tornou públicos seus gastos com propaganda, que sempre teimou esconder. A partir do balanço divulgado, soube-se que em 2013 o governo federal bateu o recorde: gastou nada menos de R$ 2,3 bilhões, o maior valor desde 2000 já descontada a inflação do período. Petrobras, Caixa Econômica e Banco do Brasil arcaram com 86% dessa despesa.
Algumas questões merecem atenção. A primeira delas, por se tratar de um aparente exagero, especialmente quando se nota que o aumento dos dispêndios se deu exatamente no ano anterior ao da campanha de reeleição da presidente. A segunda é o fato de que a destinação dos gastos ficou longe de obedecer a critérios técnicos, o que se verifica ao se constatar direcionamentos de verbas de modo desproporcional, neste caso beneficiando veículos de baixa penetração, influência ou credibilidade, porém alinhados aos interesses políticos do Planalto. Uma terceira questão é decorrente das duas primeiras: não se observou o respeito a outra regra clara da economia, que determina a máxima otimização da relação custo/benefício.
Citem-se alguns exemplos referidos por um dos autores da ação vitoriosa no STJ: em sites de notícias e blogs notoriamente alinhados ao governo, e cuja audiência não supera os 500 mil visitantes únicos mensais (vários deles não chegam a 300 mil unique visitors por mês), o "custo por leitor mensal" pago pelo governo e estatais gira na casa dos R$ 2. Já em grandes portais, que registram milhões de visitantes únicos todo mês, as contas das verbas publicitárias governamentais revelam que cada internauta que o acessou custou ao governo poucas dezenas de centavos. Ou seja, proporcionalmente, paga-se muito mais justamente aos veículos de internet menos lidos.
A conclusão óbvia é de que, também em matéria de propaganda, o governo gasta muito mais para obter bem menos. E, ao se identificar os veículos que "ganharam mais para entregar menos", constata-se com maior clareza a afirmação de que se fez mau uso de recursos do Estado, ao contrário do que exige um dos preceitos fundamentais inscritos no artigo 37 da Constituição, o da impessoalidade.
Não é condenável nem imoral que o Estado destine verbas publicitárias para veículos de comunicação pelo contrário, pois provém também do mesmo dispositivo constitucional a obrigação da administração pública de dar publicidade aos seus atos. No entanto, isso precisa ser feito obedecendo-se a outro princípio basilar, o da economicidade. E, sobretudo, que as verbas de propaganda não sejam instrumento para beneficiar aliados e castigar os críticos e os independentes.
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