A conta é curiosa. Em dois anos, os registros do Instituto Médico Legal (IML) indicam cerca de 3 mil homicídios em Curitiba e região metropolitana. Embora o número total seja robusto e assustador, os dados secundários como local, hora e identidade das vítimas formam um balaio de imprecisões.
Poucas vezes os boletins informam, passo a passo, "quem, quando, onde e por que", ignorando o roteiro de questões usado pela imprensa, mas que se aplica a qualquer área de conhecimento. O resultado da ausência de dados essenciais é que a análise fica emperrada. E sem dados em níveis aceitáveis não há pesquisa nem avanço nas políticas de prevenção.
A sentar no meio-fio e chorar, contudo, resta a alternativa de tirar alguma seiva das informações imperfeitas, ainda que com o canto do olho. Não restam dúvidas de que elas podem fornecer pistas aos setores da sociedade que se debruçam sobre o problema da violência. Em se tratando desse assunto, convenha-se, não há dado que se despreze.
Um dos recortes possíveis para essas "pesquisas impressionistas" é o da idade dos mortos. Elementar: a relação entre anos vividos e homicídios ajuda a perceber as falhas na proteção à juventude, o genocídio de uma geração, a miséria de um país que faz pouco por seus filhos. Nem é preciso fechar as tabelas com 100% de segurança para se colocar, em protesto, na praça pública.
Outra possibilidade é investigar o local onde se dão os abates. A Secretaria de Segurança Pública, detentora do Mapa do Crime, tem essa informação e se deu o direito, na controvertida passagem de Luiz Fernando Delazari pelo governo, de comunicá-la quando lhe aprouvesse. A rigor, portanto, não se pode dizer que os gestores não saibam onde os homicídios se dão e quais são os nichos de violência em Curitiba e região.
Mas há um porém além do bairro ou da regional, pode-se saber quais são as ruas mais violentas e fazer dessa estatística um ponto de partida. Em tal quesito, contudo, os dados são tão falhos quanto: dos 3 mil homicídios dos últimos dois anos, de apenas mil se sabe em que esquina ou quarteirão a tragédia se deu. É uma pena mas para remédio não custa olhar no mapa em que lugares as espingardas cospem fogo e tentar entender como a vida corre nesses endereços.
Nem a Secretaria de Segurança Pública nem a Secretaria Municipal Antidrogas utilizam a incidência de crimes em determinadas ruas para elaborar suas políticas. Ambas afirmam trabalhar com regiões, adotando o critério de que uma rua não é violenta sozinha, mas em relação com seu entorno. Por outro lado, os dois órgãos acham que seria interessante observar mais de perto precisamente debaixo do poste onde está a placa da rua.
Em matéria do domingo passado, a reportagem da Gazeta do Povo adiantou que desafios as secretarias e a sociedade em geral encontrariam caso se debruçassem sobre a situação das vias mais sangrentas da cidade. Das mil ruas de Curitiba e região metropolitana, 20 concentram entre três e oito crimes no período estudado, número que é o bastante para causar danos na moral e na psique dos moradores. É só se imaginar na Ceia de Natal com a família lembrando que a cada quatro meses um corpo estendido no chão jaz bem perto do muro.
Segundo informa a reportagem, a concentração de homicídios em endereços repetidos já foi verificada cientificamente pelo criminalista David Weisburd, da Universidade de Jerusalém, vencedor do Prêmio Estocolmo 2010. Ora, se há consenso internacional de que o crime não muda de endereço com facilidade, seria natural que as políticas de segurança não gastassem tanto tempo e dinheiro se espalhando por aí.
Andando pelas 20 ruas do ranking descobriu-se algo bastante curioso: nem sempre são lugares destituídos de associação comunitária, arruinados pela favelização ou pela ausência de infraestrutura embora estejam longe de parecer com alguma via do Jardim Schaffer. Ou seja, mais determinante do que a orfandade da prefeitura e do estado, as "ruas do crime" assim o são porque a contravenção criou raízes draconianas naquele local. Causa impressão. Mas nada como a verdade.