Nunca antes na história deste país a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado queimaram tanto. Segundo dados do Inpe divulgados no fim de agosto, o país teve pouco mais de 100 mil focos de queimadas em 2024, o maior número para os oito primeiros meses do ano desde 2010. Em outro indicador, o de área afetada pelas queimadas, o Brasil teve 113,7 mil quilômetros quadrados devorados pelas chamas entre janeiro e julho – o maior número da série histórica iniciada em 2003, com 10 mil km2 a mais que o recorde anterior, de 2007. Não é apenas a vegetação a ser dizimada; a fauna local também está sendo eliminada. E a fumaça dos incêndios já chegou até mesmo aos estados do Sudeste e Sul do Brasil, a ponto de São Paulo ter sido apontada como a cidade com a pior qualidade do ar em todo o mundo na segunda-feira, segundo a empresa suíça IQAir.
Ironicamente, a reação de celebridades e formadores de opinião tem sido extremamente tímida, muito diversa daquela ocorrida quando o Brasil também teve um salto no número de queimadas, em 2019. A explicação é bastante simples: naquela ocasião, o governante era Jair Bolsonaro, enquanto agora quem governa é Lula, o que por si só já basta para que ocorra uma busca frenética por qualquer explicação que livre o atual ocupante do Planalto da responsabilidade que antes era toda jogada sobre o então presidente da República. Independentemente da hipocrisia e do uso político da crise ambiental, no entanto, o fato é que alguns dos principais biomas do país estão queimando descontroladamente, e é preciso agir.
O clima seco não é culpa nem de Lula nem de Marina Silva, mas a falta de preparo para enfrentar as consequências de fatores previsíveis sim
O problema é que, embora o petismo não perdesse uma oportunidade de denunciar o “desmonte” das políticas ambientais sob Bolsonaro, quando chegou ao poder não fez nada diferente. A ministra Marina Silva – cuja presença no governo lembra um caso de Síndrome de Estocolmo, tamanha foi a vileza da campanha petista contra ela em 2014 – ora culpa as “mudanças climáticas”, ora insinua responsabilidade do setor agropecuário, um dos que mais se prejudicam com a repercussão global das queimadas. Por mais que o clima realmente esteja bem mais seco, o que joga a favor do fogo, essa circunstância era previsível e, mesmo assim, o governo não se preparou corretamente.
Pelo contrário: o orçamento para combate a queimadas caiu pela metade no Orçamento de 2024, com recursos adicionais sendo empregados apenas depois que as queimadas se alastraram. Em março, o Supremo Tribunal Federal deu ao governo três meses para elaborar um plano de prevenção e combate a queimadas; vencido o prazo, não havia nada a mostrar, a não ser um pedido por mais tempo. Foi a deixa para o STF novamente se arvorar em definidor de políticas públicas, por iniciativa do ministro Flávio Dino – que até o começo deste ano fazia parte do primeiro escalão do governo Lula. As propostas, até o momento, se resumem ao endurecimento de penas para quem provoca incêndios florestais, o que de nada adianta se o Estado não é capaz de encontrar os responsáveis pelas queimadas criminosas, já que não tem pessoal suficiente para um sistema de prevenção minimamente decente.
A preservação do meio ambiente não é mera questão de soft power brasileiro, nem deveria ser pauta exclusiva da esquerda, ainda que ela a trate com muita hipocrisia, como se vê agora. Boa parte do país está presenciando in loco os efeitos da devastação ambiental, com prejuízos à saúde da população, e a dimensão da tragédia ambiental faz dela um desses casos em que não é possível encontrar uma solução sem a participação do Estado. Mas para isso é preciso que o governo desça do palanque e trate a questão com seriedade, trocando a terceirização da culpa pela admissão de sua responsabilidade, e assumindo de vez a coordenação dos esforços de combate às chamas com mais ação e menos demagogia. O clima seco, obviamente, não é culpa nem de Lula nem de Marina Silva, mas a falta de preparo para enfrentar as consequências de fatores previsíveis sim.
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