Vislumbra-se uma preocupação no horizonte com a provável solução que será adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à obrigatoriedade da classificação indicativa na programação de rádio e televisão. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2.404), proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), questionando o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi interrompido por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Até sua suspensão, o placar apontava quatro votos a favor de permitir que as emissoras definam livremente a sua programação, sendo somente obrigadas a informar a indicação realizada pelo Ministério da Justiça. Caso esse posicionamento realmente prevaleça, quem provavelmente pagará pelas consequências são aquelas pessoas ainda em processo de desenvolvimento físico e mental: as crianças e os adolescentes.
Pela fragilidade inerente a essa etapa da vida, esses menores devem ser destinatários, tanto quanto possível, de normas e ações voltadas para o seu desenvolvimento humano e contra situações potencialmente danosas a sua formação. Mas, no afã de se defender uma liberdade de expressão irrestrita, principalmente com receio do fantasma do regime autoritário que foi vivido pelo país, o Supremo corre o risco de deixar de lado este outro axioma igualmente importante e constitucional.
É verdade que o Estado não pode tutelar a família a ponto de intervir na liberdade que os pais têm de decidir o que os filhos podem ou não assistir, mas também não pode o Estado deixar de dar a eles os instrumentos para que possam fazer essa supervisão de uma forma realmente efetiva.
Permitir que as emissoras possam veicular o que quiser, na hora que quiser, apenas com o aviso da indicação da classificação, é o mesmo que não dar aos pais meios eficientes para proteger seus filhos de uma programação em horário inadequado. Na prática, até que o aparelho televisor seja desligado, já pode ter ocorrido uma lesão ao direito das crianças e adolescentes.
A questão é complexa e, em parte, poderia ter sido há muito solucionada se alguns instrumentos de autorregulamentação tivessem sido empregados. Ainda assim, não é prudente deixar tudo a cargo desses instrumentos autorregulatórios e do controle exercido pelos pais. É preciso que o Estado também faça sua parte fornecendo meios mais eficientes para uma avaliação correta da programação e dos horários de apresentação. E neste ponto a falha é do Congresso Nacional, que não foi capaz, até o presente momento, de editar uma lei que regulamentasse a classificação dos programas, de forma compatível com a lógica de proteção da liberdade e expressão, definindo critérios claros e ao alcance de todos. Normatizações nesse sentido existem em praticamente todas as democracias no mundo. Caso o Congresso Nacional tivesse cumprido seu dever nessa linha, as emissoras não teriam a sua liberdade usurpada. Estariam apenas adstritas a se enquadrar numa regulamentação com parâmetros bastante claros e conhecidos. Caso não cumprissem, poderiam ser acionadas judicialmente a posteriori, diferentemente do que acontece hoje, em que um grupo de funcionários públicos do Ministério de Justiça realiza uma indicação baseada em critérios pouco conhecidos e calcada numa competência dada por portaria. Que valores e balizas usam neste trabalho não é de domínio público. E pior: acabam sendo responsáveis por uma classificação que em vez de indicativa se tornou obrigatória e realizada previamente, o que caracteriza de fato censura.
E só a palavra censura já causa calafrios em uma nação cuja história já foi marcada por um regime autoritário. Apesar de tudo, longe de ser a atual alternativa adotada a mais acertada o ideal, como frisamos, seria a existência de uma lei vinda do Congresso , o que existe hoje ainda é melhor que a omissão do Estado em não prover os pais de meios mais eficazes de avaliação dos conteúdos.
Na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, a classificação indicativa "obrigatória" pelo Ministério da Justiça é menos ruim do que não haver simplesmente nada. A questão põe frente a frente dois preceitos constitucionais de igual envergadura: a liberdade de expressão versus o direito daqueles que não atingiram a maioridade. Manda a técnica constitucional que se faça a sopesação dos valores no caso concreto, com o intuito de ferir o menos possível qualquer um dos princípios.
E neste caso defender a classificação como é feita hoje, como meio menos indolor, parece ser o mais coerente. Garante-se o direito do menor, maculando-se, sim, a liberdade de expressão, mas na menor extensão possível, até que o Congresso tome a frente e elabore uma lei que efetivamente normatize a questão.