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Editorial

Quem paga o preço

Nunca neste país a cesta básica custou tão pouco, costuma repetir o presidente Lula para ressaltar o que considera ser um dos maiores feitos do seu governo. E não há mesmo quem possa contestá-lo: desde julho de 2004, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o custo da cesta em Curitiba, por exemplo, caiu 5%, enquanto que a inflação acumulada no período chegou a cerca de 10%. Festeje-se este resultado, mas não nos esqueçamos do reverso da medalha: há gente pagando preço muito alto por tal sucesso, os produtores rurais.

Lula se beneficia do sucesso, transformando-a na montanha de votos que, tudo indica, garantirá sua reeleição. As famílias mais pobres certamente vão retribuir eleitoralmente o visível benefício que lhes foi proporcionado pela conjunção de pelo menos dois fatores positivos alcançados ao longo dos últimos três anos: o aumento real do salário mínimo e a queda generalizada dos preços dos gêneros alimentícios.

Os números não mentem e não adianta brigar com eles: em julho de 2004, a cesta básica custava para o trabalhador curitibano R$ 165,47, consumindo 63% do salário mínimo de então, de R$ 260,00. Em julho último, a cesta custava R$ 157,86, representando 45% do atual mínimo, de R$ 350,00.

Pelo menos uma parte desse "milagre", no entanto, veio de um santo maior que Lula, o agricultor, que na outra ponta sofre as conseqüências. A queda dos preços agrícolas não se deu em razão de uma ação positiva do governo, mas por embaraços provenientes de uma combinação danosa de fatores, dentre os quais encontram-se alguns de exclusiva responsabilidade da política econômica empreendida nos últimos anos.

De fato, desde a safra de 2004, ao mesmo tempo em que o mercado internacional derrubava os preços dos principais produtos agrícolas, praticava-se (e ainda se pratica) uma política cambial que freou as exportações, estimulou a concorrência dos importados e derrubou a lucratividade do campo, lançando o setor numa das mais graves crises de sua história. O efeito imediato foi o aumento da oferta no mercado interno, com conseqüente e generalizada queda de preços. Exemplo mais gritante desse efeito deu-se no caso do arroz, cujo preço hoje equivale a um terço do que valia há dois anos.

Quebras de safra ocasionadas por problemas climáticos ajudaram a criar a situação de caos no setor agrícola, que acumula o mais alto nível de endividamento e inadimplência dos últimos tempos. E a tal ponto isto é sério que hoje está ocorrendo um fato inusitado: sobra dinheiro para o crédito agrícola. A razão? Os produtores não podem, por inadimplentes, ou não querem contratar empréstimos para não correr riscos maiores.

Em decorrência disso tudo calcula-se que a próxima safra brasileira de verão perderá quase "um Paraná" de área de plantio: mais de quatro milhões de hectares deixarão de ser plantados. Some-se a essa redução de área, a redução também no uso de tecnologias de incremento à produtividade, determinada pelo esforço do agricultor em cortar custos de produção.

Resumo da história: com esta política, corre-se o evidente risco de se estar matando a galinha dos ovos ouro. Não é improvável que em futuro próximo o país passe a depender de importações para alimentar o povo. E daí já não se terá nenhum controle sobre preços de cesta básica.

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