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Editorial

Radicalismo, polarização e diversionismo

Paulo Guedes, ministro da Economia
Paulo Guedes, ministro da Economia (Foto: Washington Costa/Ministério da Economia)

“Não se assustem se alguém pedir o AI-5.” A frase do ministro da Economia, Paulo Guedes, dita na segunda-feira, dia 25, ganhou repercussão imediata, com o repúdio enfático dos presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Imediatamente, todos associaram esta menção ao Ato Institucional mais autoritário dos 20 anos de ditadura militar a outro episódio recente, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro levantou, em entrevista, a possibilidade de “um novo AI-5” no caso de haver no Brasil uma radicalização semelhante à do Chile, país tomado por protestos violentos.

Mas Guedes realmente quer um AI-5 no Brasil? Quem tiver um mínimo de honestidade intelectual perceberá que o ministro não considera essa hipótese nem mesmo tolerável, muito menos desejável – pelo contrário: foi classificada como “inconcebível” logo na sequência da frase bombástica. Além disso, ele havia mencionado, anteriormente, as convocações feitas pelo agora solto (mas ainda corrupto condenado) Lula para ações ao modelo chileno, em que a violência corre solta. Em outras palavras, o que Guedes afirmou é que extremismo chama extremismo. Quando um lado defende explicitamente a loucura, a polarização e o radicalismo, não pode se surpreender nem fingir indignação se, do outro lado, houver também os loucos que peçam polarização e radicalismo.

Quando Lula pede à militância para “seguir o exemplo do povo do Chile”, não há repúdio unânime de chefes de poderes da República

Acontece que, como diz o ditado, “não se fala de corda em casa de enforcado”, e 1968 continua sendo o “ano que não terminou”, mostrando que Zuenir Ventura havia acertado em cheio ao escolher o título de seu célebre livro. Talvez, por tudo o que o AI-5 representou, e ainda que Guedes o considere impensável, a citação explícita não tenha sido uma escolha feliz, a ponto de ter assustado muitas pessoas comprometidas com a democracia e também avessas ao radicalismo de esquerda. Caso diferente foi o de Eduardo Bolsonaro, que pareceu ver o AI-5 como aceitável, falando dele como se fosse mera medida de manutenção da ordem pública diante de uma situação de instabilidade extrema, quando na verdade representou o estrangulamento das instituições brasileiras, o fim das liberdades democráticas, as portas abertas para a censura e a tortura. Para impedir que se repita, no Brasil, a destruição provocada no Chile e que se espalha por outras nações sul-americanas, com possível interferência das ditaduras latino-americanas de esquerda, bastam as leis vigentes, o Código Penal e a Lei Antiterrorismo. Está mais que evidente que a democracia comporta soluções eficazes para casos de convulsão social, sem precisar de recursos autoritários.

Além disso, há algo de desproporcional na reação à fala de Guedes. O ministro fala em AI-5, diz considerá-lo “inconcebível”, e o mundo desaba. Mas, quando Lula pede à militância para “seguir o exemplo do povo do Chile”, não há repúdio unânime de chefes de poderes da República, nem a indignação de coros de comentaristas políticos. E isso considerando que o petismo tem uma longa tradição de convocações ao conflito. Ainda em 2000, José Dirceu dizia que os tucanos deveriam “apanhar nas ruas e nas urnas”; anos depois, Lula convocaria o “exército de Stédile”; o então presidente da CUT falaria em “armas na mão” para impedir o impeachment de Dilma Rousseff; e a presidente do PT, a então senadora e hoje deputada Gleisi Hoffmann, diria que “vai ter que matar gente” para que Lula fosse preso em 2018. O petismo jamais deixou de incentivar os métodos dos sem-terra e dos black blocs, estes últimos responsáveis pela morte de um cinegrafista durante um protesto em 2014. Escandalizar-se com a frase de Guedes e ao mesmo tempo fazer pouco da retórica passada e presente do petismo não é simples questão de uma bússola moral ou política desregulada; é descolamento completo da realidade.

Durante a campanha, a esquerda dava como certo um apocalipse ditatorial em caso de vitória bolsonarista. Como Bolsonaro não fechou o Congresso, não mandou o cabo e o soldado ao STF, não empastelou jornais nem mandou exilar ninguém, ela continua procurando um fascismo para chamar de seu, inventando censuras onde não existem e gritando “lobo!” diante de falas como a de Paulo Guedes. Enquanto isso, tensiona a corda o quanto pode e sonha em trazer para o Brasil o caos visto em outros países sul-americanos, ao mesmo tempo em que tenta fazer o país acreditar que o verdadeiro perigo está em quem avisa dos riscos de uma reação à loucura incendiária do petismo. É o diversionismo levado ao extremo, e surpreende que haja tantos dispostos a se deixar levar por ele.

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