O governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Júnior, tem evitado os questionamentos feitos a ele sobre o envolvimento do presidente da Assembleia Legislativa do estado (Alep), Ademar Traiano, em um escândalo de corrupção em 2015. Depois de afirmar, em 6 de março, que não era “analista” das decisões de outros poderes – Traiano segue à frente do Legislativo paranaense, apesar de tudo –, o governador respondeu a perguntas da imprensa no dia 20 de março dizendo que não era “comentarista político”.
Existem, no entanto, motivos muito relevantes para que o chefe do Executivo estadual acabe ouvindo questões sobre o chefe do Legislativo paranaense. O primeiro deles é uma questão de princípio: Ratinho Júnior não é analista nem comentarista político, mas é o governador, a principal autoridade do estado; é ele quem “dá o tom” da vida política paranaense, e nessa condição ele jamais poderia se omitir em relação a um mal tão grande quanto é a corrupção, principalmente quando praticada por alguém em posição de destaque, ainda que em outro poder. O segundo motivo é circunstancial: ambos são correligionários, membros do PSD – e não apenas isso: Ratinho Júnior é o presidente estadual da legenda, e portanto é natural que seja questionado a respeito de outro importante integrante do partido, pego em um ato de corrupção admitido pelo próprio Traiano e que foi inclusive registrado em áudio, conforme revelaram a RPCTV e o portal G1 no início da semana passada. E são questões que merecem ser respondidas, porque até o momento o quadro que se desenha é o de uma impunidade que envergonha 11,4 milhões de paranaenses.
Desde quando o ato de pedir e receber propina, ato este devidamente registrado e confessado, deixou de ser “conduta antiética” ou “indecorosa”, ainda que não tenha havido condenação na Justiça?
O PSD tem relutado em punir Traiano, apoiado no fato de o deputado não ter contra si condenação judicial no caso em questão, ainda que o artigo 78 do estatuto do PSD não mencione a necessidade de uma sentença para a adoção de medidas disciplinares, bastando a “conduta antiética, indecorosa ou improbidade no exercício de mandatos ou cargos públicos e da administração partidária”. Desde quando, no entanto, o ato de pedir e receber propina, ato este devidamente registrado e confessado, deixou de ser “conduta antiética” ou “indecorosa”, ainda que não tenha havido condenação na Justiça? Esta é a explicação que o partido deve a todos os paranaenses.
E a punição política é, a esta altura do campeonato, o único castigo que Traiano – que, repetimos, confessou seu ato de corrupção – pode receber, pois, infelizmente, não há mais possibilidade de o presidente da Alep responder na Justiça por seus atos. Mas, ao contrário do que se imaginou de início, a culpa não é do acordo de não persecução penal assinado por Traiano, o ex-deputado Plauto Miró e o Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR). A principal evidência contra Traiano, a gravação do achaque feita pelo empresário Vicente Malucelli, seria recusada no Tribunal de Justiça do Paraná com base na jurisprudência da corte; sem essa prova, a acusação ficaria bastante fragilizada, e nessas condições o fato de o MP-PR ainda ter conseguido que Traiano e Miró confessassem o crime e ressarcissem os cofres públicos é um resultado extraordinário; elogie-se, também, o empenho do MP-PR para que o TJ-PR levante o sigilo sobre o processo, em diversos pedidos repetidamente negados pela corte.
As medidas disciplinares internas do PSD, entretanto, não são nem a única, nem a principal punição política que Traiano deveria sofrer. Há motivos mais que suficientes para um processo de cassação na Alep, onde o governo estadual tem maioria tranquila, mas os deputados estaduais vêm blindando Traiano sem impor-lhe constrangimento – uma representação por quebra de decoro foi arquivada pelo Conselho de Ética da casa –, ignorando discursos esporádicos de alguns parlamentares e a pressão da sociedade civil organizada. Nem mesmo deixar a presidência da Alep parece um desfecho plausível neste caso, ao contrário do que aconteceu com outros políticos como Renan Calheiros, que renunciou à presidência do Senado em 2007 para escapar de uma cassação.
O Brasil olha para o Paraná com gratidão quando se trata do combate à corrupção; foi aqui que surgiu a Operação Lava Jato, que ao longo de anos conseguiu resultados notáveis e inéditos ao desvendar um gigantesco esquema de dimensões nacionais, antes que todo esse trabalho heroico fosse desfeito pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, longe dos olhos do resto do país, o estado se transforma naquilo que o ex-procurador Diogo Castor de Mattos chamou, em artigo publicado em 2017 na Gazeta do Povo, de “paraíso da impunidade”. São dois Paranás diametralmente opostos, e a população paranaense sabe muito bem qual deles ela deseja; resta saber se esse também é o Paraná que sua classe política deseja – e isso passa diretamente pelas mãos de quem tem a capacidade de influenciar um partido e uma base aliada para impedir que os corruptos sigam locupletando-se sem responder por seus atos.
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