O mais novo mega-acordo comercial assinado entre países da Ásia e da Oceania, a Parceria Econômica Abrangente Regional (RCEP, na sigla em inglês), de partida é mais relevante pelas nações envolvidas – bem como pelas que não participam dele – que pelo seu conteúdo propriamente dito, menos ambicioso que a Parceria Trans-Pacífica (TPP). Mesmo assim, ao incluir a China e fortalecer sua inserção no comércio exterior, ele oferece um desafio considerável à política comercial norte-americana, que não deixará de estar em rota de colisão com o gigante asiático mesmo se for confirmada a vitória eleitoral de Joe Biden.
O tratado em si, considerando a população total dos países signatários – 2,2 bilhões de pessoas –, é o maior pacto comercial multilateral do mundo. Também é bastante diverso, unindo nações ricas como Austrália, Japão e Coreia do Sul a países pobres do Sudeste Asiático como Laos e Camboja. Mas já nasce sob críticas de não ser tão ambicioso. Ele negligencia áreas importantes, como agricultura e serviços, e pretende eliminar 90% das tarifas em um prazo de 20 anos. Em comparação, o TPP é bem mais abrangente em área, incluindo também nações do continente americano; em seu escopo, contemplando também regras ambientais e de condições de trabalho; e tem a intenção de eliminar 100% das tarifas entre os signatários.
O maior impacto imediato do RCEP, portanto, será a harmonização de uma série de regras comerciais já existentes entre os signatários e o fato de proporcionar um inédito acordo comercial envolvendo ao mesmo tempo China, Japão e Coreia do Sul. Estes últimos dois países devem ser os principais beneficiários do RCEP em termos de ganho em renda per capita trazido pela liberalização do comércio, mas a China, deixada de fora do TPP, pode desde já cantar vitória. O acordo amplia sua influência sobre a Ásia – ainda que as negociações tenham começado por iniciativa da Asean, o grupo de países de Sudeste Asiático – e, com a recente retração norte-americana na promoção do comércio exterior, coloca a China em uma posição de liderança na defesa do livre comércio, por mais paradoxal que seja ver uma ditadura comunista exaltando qualquer coisa que evoque liberdade. A ascensão da China ainda tira espaço da Índia, que deixou as negociações do RCEP em julho por temer uma enxurrada de produtos chineses baratos em seu território e por não conseguir incluir no acordo sua maior força, o setor de serviços.
Como os norte-americanos reagirão a esse movimento, em que a China ocupa o vácuo que os próprios Estados Unidos deixaram? O TPP era visto por Barack Obama como uma chance de puxar parceiros comerciais chineses para a órbita norte-americana, mas em 2017, logo depois de tomar posse, Donald Trump retirou os EUA do acordo, o que impediu sua entrada em vigor; os países restantes se organizaram, então, em um novo acordo, muito parecido com o TPP e renomeado como Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Trans-Pacífica (CPTPP). Hoje nem mesmo políticos democratas veem essa integração com bons olhos, e por isso Joe Biden, durante a campanha, não se comprometeu nem em colocar os Estados Unidos de volta no TPP-CPTPP, nem em procurar aderir ao RCEP.
Aliados norte-americanos na Ásia devem olhar com certa apreensão essa relutância de Washington em se envolver mais de perto nos assuntos asiáticos. Afinal, não é só no comércio exterior que a China busca sua expansão. Ela também vem se dando por meio de movimentos militares, especialmente no Mar do Sul da China, e especialmente pela repressão implacável dentro de seu território, desde a perseguição a minorias étnicas como os uigures muçulmanos até a supressão total do pouco que ainda restava de democracia em Hong Kong, antecipando unilateralmente o fim do regime de “um país, dois sistemas” que deveria durar até 2047. Tudo isso ocorre sem reação mais enérgica da comunidade internacional, reforçando em Xi Jinping a sensação de que ele pode seguir em frente sem contestação até, quem sabe, ter poder suficiente para enfim tentar subjugar Taiwan, o grande sonho de Pequim.
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