O mundo foi informado que a economia dos Estados Unidos apresentou, no segundo trimestre deste ano, queda do Produto Interno Bruto (PIB) equivalente à taxa anualizada de 0,9%. Como no primeiro trimestre do ano o encolhimento da atividade econômica havia registrado 1,6%, a retração por dois trimestres consecutivos é considerada desempenho ruim o suficiente para caracterizar recessão técnica. A primeira conclusão dos agentes do mercado e de analistas especializados é que o sinal vermelho vindo dos Estados Unidos pode significar que está se formando uma recessão nos países desenvolvidos, ou no mínimo uma forte desaceleração econômica.
Essa recessão técnica nos Estados Unidos resulta de fatores que já vinham se pronunciando, de forma que, se houve alguma surpresa quanto à magnitude da retração, a queda no PIB não é de todo surpreendente. A publicação dos maus resultados do PIB norte-americano veio ao lado da elevação na taxa de inflação anual e no aumento da taxa básica de juros pelo Federal Reserve (o banco central dos EUA), e todos esses componentes econômicos estão interligados. Para entender o que está acontecendo com a grande economia norte-americana é necessário prestar atenção em certos aspectos que estão na base dos três males: a inflação, a elevação dos juros e a recessão.
Primeiro, a economia norte-americana funciona baseada em elevado volume de crédito, tanto no lado da produção quanto em relação ao consumo nacional. O sistema produtivo do país é calcado no crédito para investimento e para capital de giro das empresas, de forma que o coeficiente de dinheiro emprestado para financiar a produção e o comércio é proporcionalmente bastante elevado e maior que a média mundial. Embora esse aspecto seja indutor do crescimento empresarial, qualquer elevação na taxa de juros aumenta os custos das empresas, com potencial para reduzir lucros e desestimular a atividade produtiva. Em segundo lugar, a mesma lógica está presente fortemente no consumo nacional, em que a própria cidadania das pessoas é julgada em parte por sua relação com o sistema de crédito, fazendo que a maior parte do consumo seja feita por meio de cartão de crédito e financiamentos bancários.
A economia norte-americana funciona baseada em elevado volume de crédito. Qualquer elevação na taxa de juros aumenta os custos das empresas, com potencial para reduzir lucros e desestimular a atividade produtiva
Em larga medida, a confiança atribuída a um empregado ou profissional autônomo é afetada pelo crédito a ele concedido pelo mercado financeiro, estampado na posse de cartão de crédito, hipoteca da casa própria e crédito bancário. O volume de compras a crédito nos Estados Unidos é imenso e representa alta porcentagem do consumo nacional; logo, a elevação da taxa de juros afeta negativamente o mercado consumidor. Terceiro, essa mesma lógica se aplica ao governo, conforme revela o tamanho da dívida pública que, segundo anúncio em fevereiro de 2022, havia ultrapassado a barreira dos US$ 30 trilhões, contra um PIB de US$ 25 trilhões (a valores nominais correntes). Assim, qualquer aumento da taxa de juros, por mínimo que seja, provoca elevação expressiva dos encargos com a dívida pública, acabando por indicar que mais adiante o governo norte-americano tomará medidas de austeridade e redução nos gastos públicos.
Todas essas conexões na economia dos Estados Unidos, envolvendo a taxa de juros e suas elevações, mostram que o nível de atividade econômica – produção e consumo – acaba se reduzindo de forma quase inevitável quando os juros crescem. E a situação se agrava quando o quadro geral vigente no ato do aumento da taxa de juros ocorre junto a aumento na taxa de inflação. Nos Estados Unidos, a inflação ocorrida sobretudo após a pandemia já vinha provocando estragos na economia local. Como é sabido, o fechamento de empresas e o isolamento social impuseram prejuízos às empresas e aos trabalhadores, e desorganizaram o sistema produtivo e o abastecimento. A inflação que atingiu os Estados Unidos – e, de resto, toda a economia global – prejudicou o crescimento econômico, situação que foi agravada pela guerra entre Rússia e Ucrânia e a elevação dos preços da energia, combustíveis e alimentos.
Recentemente, o Federal Reserve elevou a taxa básica de juros em 0,75 ponto porcentual pela segunda vez consecutiva, medida essa destinada a combater a maior inflação no país em 40 anos. Há sempre aqueles que discordam e não faltaram vozes para criticar essa medida; porém, considerando a dívida pública gigantesca e que parte dela é representada por títulos nas mãos de credores internacionais, a não elevação da taxa de juros diante de uma inflação que passou dos 9% ao ano significaria fuga imediata dos investidores, e isso imporia ao Tesouro norte-americano dificuldades para rolar a dívida pública. E, mesmo com o aumento recente da taxa de juros – que subiu para 2,5% ao ano diante de uma inflação de 9% –, a taxa real de juros continua sendo negativa, com desestímulo ao espírito de poupança em face dos prejuízos aos poupadores que confiaram na estabilidade da economia do país e aplicaram seu dinheiro em títulos do governo.
Esse cenário, portanto, faz que a recessão técnica agora verificada não constitua surpresa nem seja evento distorcido: é resultado de problemas graves, que têm consequências políticas internacionais. Um exemplo: até algum tempo atrás o maior detentor de títulos da dívida pública norte-americana era a China, que tinha mais de US$ 1 trilhão em títulos, mas vem reduzindo sua posição, fazendo dessa medida mais uma arma que o governo chinês usa para enfraquecer os Estados Unidos. Vale ressaltar que a China também vem enfrentando problemas graves, especialmente nos setores de infraestrutura, construção civil, crédito imobiliário, inadimplência bancária e sinais recessivos setoriais.
Os analistas internacionais estão prevendo que a China crescerá a um ritmo muito menor do que se propagava, podendo mesmo flertar com recessão econômica. A coexistência de crise nos Estados Unidos e na China tem o poder de agravar a economia global, pois o comércio internacional é altamente dependente dessas duas economias gigantes. Aqui está o ponto capaz de afetar os países emergentes, reduzir o comércio exterior e espalhar desaceleração econômica, inclusive no Brasil. Restar saber como será o desempenho desses dois grandes países nos próximos trimestres e que rumo tomarão suas economias. No caso da economia norte-americana, acredita-se que ela tem maior capacidade de suportar recessão do que aguentar inflação elevada, e as recessões são vistas como eficientes para jogar a inflação para baixo. A conferir.