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Tecnicamente, dizem os economistas, há recessão quando o Produto Interno Bruto (PIB) cai durante dois trimestres seguidos. Se, além disso, o PIB desses dois trimestres for inferior ao PIB do mesmo período do ano anterior, a recessão pode se alongar e passa a ser rotulada de recessão consistente, ou estrutural. A diferença depende das causas da queda do PIB. Por alguma causa conjuntural fora do controle humano, como uma seca ou uma pandemia, o produto total pode cair num dado período curto sem significar um problema estrutural, caso o PIB volte a crescer tão logo cesse a causa conjuntural.

A crise por que passa o Brasil atualmente em função da pandemia do coronavírus pode levar, segundo o Banco Mundial, à queda de 5% no PIB em 2020 comparado com o ano anterior; o governo federal, nesta quarta-feira, atualizou suas projeções e estima uma queda semelhante, de 4,7%. Se for considerado o crescimento da população, em torno de 1,5 milhão de pessoas, 2020 entrará para as estatísticas como um ano de recessão econômica aguda. Na hipótese de a pandemia terminar em meados do segundo semestre deste ano, a causa primária da recessão desaparecerá e abrirá espaço para a reativação da economia e a retomada do crescimento do PIB, a depender do tamanho do estrago deixado pela crise na máquina produtiva do país e, por consequência, das dificuldades que podem surgir no caminho da retomada da produção nacional.

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Neste momento em que a recessão está em andamento, com isolamento social, fechamento de fábricas, queda nas vendas, parcial desativação do comércio, aumento do desemprego e perda de renda de milhões de trabalhadores, a principal discussão é sobre o plano de intervenção do governo na economia. Além dos problemas de saúde púbica e as medidas necessárias para enfrentar a doença, as autoridades econômicas vêm executando medidas de socorro às pessoas afetadas pelo desemprego e perda de renda, de um lado, e medidas que ajudem as empresas a suportar pela crise e evitar falências, de outro lado. Ao mesmo tempo, a ação do governo e suas consequências de longo prazo são examinadas tendo em vista a fragilidade das contas públicas e seus déficits elevados, agora agravados pela queda da arrecadação tributária.

Os países que adotaram a recomendação de Keynes deram passe livre para o governo gastar e emitir dinheiro, mas não conseguiram fazer o governo retornar ao equilíbrio orçamentário tão logo a economia estivesse recuperada

Diante das propostas de aumento do gasto público, vale lembrar que estados e municípios não têm autorização para lançar títulos da dívida pública nem podem emitir moeda. É grande a pressão de prefeitos e governadores sobre o governo federal, com apoio de seus parlamentares, pedindo ajuda da União, mesmo que para isso seja preciso emitir moeda. A prerrogativa de emitir títulos de dívida e de emitir dinheiro pertence exclusivamente à União e, a respeito disso, vem sendo travado um debate entre defensores da teoria convencional (que repudiam a emissão de moeda sob o argumento de que o resultado vem mais adiante em forma de inflação e empobrecimento) e os defensores da chamada “teoria monetária moderna” (conhecida pela sigla em inglês MMT, de modern monetary theory), para os quais o governo federal não tem restrição financeira e a emissão monetária não resulta necessariamente em inflação.

Para os adeptos da MMT, um ente com poder de emitir dinheiro não está sujeito às mesmas restrições impostas às pessoas, empresas, estados e municípios, de forma que a emissão monetária para pagar novo gasto público deve estar condicionada apenas aos princípios da necessidade, eficiência, relação custo/benefício e duração temporária (enquanto perdurar a recessão, o desemprego e a ociosidade de capacidade instalada). Para eles, não é a emissão de moeda que causa inflação, mas sim o aumento da demanda (consumo e investimento) sem o correspondente aumento da produção. Ou seja, se os gastos adicionais pagos com expansão monetária criarem uma demanda agregada maior que a capacidade produtiva da economia, a inflação aparece.

Os defensores da MMT dizem também que, em uma economia com alto desemprego, fábricas paradas e elevada ociosidade na capacidade instalada, o aumento da demanda provoca a reativação da produção rapidamente; logo, não haveria razão para temer a inflação derivada de pressão sobre a oferta de bens e serviços. No fundo, essa foi a receita de John Maynard Keynes para a reativação da economia na Grande Depressão dos anos 1930. O problema é que o arcabouço constitucional nos países onde a recomendação de Keynes foi adotada (quase todo o mundo) deu passe livre para o governo gastar e emitir dinheiro, mas não conseguiu fazer algo para o qual o próprio Keynes alertou: parar com essa política e retornar ao equilíbrio orçamentário tão logo a economia estivesse recuperada.

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É no meio desse debate teórico que o Congresso Nacional promulgou, na semana passada, a Emenda Constitucional 106/2020, instituindo o chamado “orçamento de guerra”, que estabelece um regime orçamentário e fiscal extraordinário, pelo qual o governo pode gastar mais e aumentar o déficit com ações de combate aos efeitos da crise derivada da pandemia do coronavírus. Algumas autorizações dizem respeito à contratação simplificada de pessoal, obras, bens e serviços para combater a pandemia; ampliação da liberdade do governo para ultrapassar limites de gastos imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal; mais autonomia ao Banco Central na compra e venda de títulos de dívida; e ajuda aos estados e municípios.

O fato é que está sendo autorizada maior presença estatal na economia e maior intervenção governamental, coisa que parece quase inevitável na atual circunstância. O problema é saber se, uma vez recuperada a atividade e reduzido o desemprego, o governo voltará ao equilíbrio orçamentário ou se, após viciado em gastos sem a correspondente arrecadação tributária, o país voltará aos tempos de déficits financiados por dívida e emissão monetária, e inflação.