O recém-publicado relatório O Futuro digital do Brasil em foco, da comScore, soma uma gota de água no mar de discussões que ronda a internet. Os resultados confirmam a regra – “tudo o que você sabe está errado”. A exemplo de pesquisas que pipocam a cada tempo, mostrando o som e a fúria da revolução digital, não fica nada em pé. As mudanças são rápidas e sempre nos pegam de assalto, obrigando a repensar o que será daqui em diante.
De acordo com o relatório, o número de usuários de internet via telefone cresceu 7% em seis meses, passando de 36 milhões de usuários para quase 39 milhões. Há coisa de dois anos, acreditava-se, no Brasil e em boa parte do mundo, que a migração seria para os tablets. Se em paralelo as baterias se tornassem mais resistentes, equivaleria a uma pá de cal nos veículos impressos. Lúdicos, bonitos, interativos, os leves e práticos computadores de mão estavam prestes a serem considerados o livro e o jornal do século 21. Não faltaram universidades e institutos comerciais ocupados em pesquisas sobre a leitura em tablets. Os primeiros resultados mostravam, para alegria dos produtores de conteúdo, que leitores “de internet”, nessa plataforma, encaravam textos extensos e complexos, como ensaios – jornalísticos ou não. Pois a notícia durou um ciclo da Lua, como se pode ver na pesquisa da comStore.
A leitura em vários suportes aponta para alguma maturidade do público. Palmas para nós
A migração para os smarts vai rápida e sem dar muita margem para poréns. Não é difícil explicar o fascínio que provocam, à revelia do evidente desconforto para as leituras mais densas. Virou uma queda de braço – quem repara conteúdo tem de prever como a informação será lida em dimensões minúsculas. Se a máxima “aprender a comunicar pela linguagem da internet” já vinha sendo papagaiada desde meados dos anos 1990, agora ela é mais espinhosa do que nunca. Outra novidade da pesquisa é a constatação de que o brasileiro migra sua internet para o telefone, mas com alguma dose de, digamos, conservadorismo – se é que a palavra aqui faz algum sentido. Somamos 84 milhões de visitantes únicos, sendo que desses 29 milhões acessam conteúdo por mais de uma plataforma, para alívio dos fabricantes de laptops e de computadores tradicionais.
Em miúdos, a leitura em vários suportes aponta para alguma maturidade do público. Palmas para nós. Mas a informação deve ser refilada: o consumo de informação por aqui tende a ser um pântano, uma vez que o país não é para amadores, como reza o clichê. A edição 2012 da competente pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostrou não só diminuição nos índices dos que se declaram leitores como apontou para uma crescente leitura fragmentada, ligeira e, por tabela, abandonada. A sina da leitura rarefeita não só continua sendo nossa marca como se perpetua. Some-se a isso que tantas mudanças no campo do consumo da informação trazem mudanças de práticas, é evidente, mas também se prestam a evidenciar práticas culturais consolidadas. O que somos em termos de leitura se potencializa na rede de computadores e não vice-versa. A nação que nasce de uma escola negligente não muda de roupa ao ligar sua aparelhagem eletrônica.
A propósito, O Futuro digital do Brasil em foco aponta que os brasileiros passam 60% mais tempo nas redes sociais do que a média mundial. Ficamos ligados pouco mais de 21 minutos a cada acesso. Os dados indicam que 58,7 milhões de usuários do serviço no Brasil preferem o Facebook. É número alto, no que somos seguidos pelas Filipinas e pela Tailândia. Outro recorde brasileiro é o de audiência dos vídeos online – algo como 76% dos usuários de internet no país assistem a filmes pela rede de computadores, apontando para uma significativa mudança de suporte. Ou não – televisivos ao extremo, os brasileiros podem estar apenas transferindo sua onipresença dos televisores por outros aparelhos. Pesquisas como essas são fundamentais. Mas melhor seria se viessem acompanhadas de pesquisas culturais. Importa saber onde as pessoas leem, mas sobretudo o que leem, de modo a reafirmar o melhor de todos os índices. Ler é um ato político, uma afirmação de interesse pelo mundo. A isso, muitos chamam civismo e cidadania. Por infelicidade, pesquisas regidas apenas pela lógica do consumo informam, mas não afirmam nenhum valor.
Parodiando o que diz o pesquisador norte-americano Paulo Starr, não existe cidade rica e culta de fato que não tenha um jornal impresso. Editado, hierarquizado, mediado por uma comunidade que interpreta os fatos, os jornais são o termômetro da sociedade democrática. Lê-los não cabe num “também”, como se fosse um suporte qualquer, mas num “sobretudo”. É questão que as pesquisas de consumo não conseguem alcançar. Mas bem poderiam tentar.