O governo interino tem soltado aos poucos as primeiras ideias sobre a reforma da Previdência, em um teste de aceitação do projeto em elaboração. Conforme a equipe de Michel Temer se aproxima do detalhamento da transição para um novo sistema de aposentadorias, aparecem as resistências e contrapropostas. Elas abastecem um debate necessário, mas não podem se tornar um expediente para impedir uma ampla revisão do sistema previdenciário.
O déficit da Previdência neste ano será de 2,1% do PIB e dobrará nos próximos 20 anos se nada for mudado. A projeção para 2060 é que passe de 11% do PIB no modelo atual de concessão de benefícios. Uma conta impagável para qualquer economia. Por isso, a premissa que precisa ser aceita por todas as partes envolvidas na discussão é a de que não é aceitável sacrificar a renda futura do país para manter o sistema atual de aposentadorias.
A consequência dessa escolha é que haverá sacrifícios para quem está no mercado de trabalho. A negociação deve levar a uma fórmula que distribua esse ônus da melhor maneira possível. As declarações do governo sobre o assunto trazem algumas ideias de consenso e outras que sofrerão oposição dura – fato que não pode levar as autoridades à saída fácil de postergar uma reforma profunda em troca de ajustes pontuais.
As declarações do governo sobre o assunto trazem algumas ideias de consenso e outras que sofrerão oposição dura – fato que não pode levar as autoridades à saída fácil de postergar uma reforma profunda em troca de ajustes pontuais
É bastante evidente que o Brasil terá de adotar uma idade mínima de aposentadoria, deixando de ser um dos poucos países do mundo sem esse expediente. Essa é uma das ideias mais consensuais entre especialistas. Dela derivam duas consequências. O governo terá de propor uma regra de transição para quem já está no mercado, além de mecanismos que reduzam distorções – como diferenças entre homens e mulheres e entre funcionários públicos e da iniciativa privada.
Impor uma idade mínima sem regra de transição é injusto com quem construiu uma carreira inteira dentro de um modelo e está perto da aposentadoria. Também não seria correto criar o mecanismo da idade mínima e impô-la como uma regra apenas para quem trabalha na iniciativa privada.
A primeira proposta do governo para a transição é uma linha de corte simplista. Pessoas até 50 anos estariam na nova regra e quem for mais velho teria adicionado um porcentual de 40% ou 50% ao tempo que falta para a aposentadoria. Esse mecanismo precisa ser bastante aperfeiçoado para distribuir melhor o custo da reforma. Um modelo escalonado, com vários degraus, seria menos abrupto e evitaria diferenças muito grandes no tempo de serviço exigido de pessoas com idades próximas.
Na outra frente, da redução das distorções, o governo acena com a unificação dos modelos público e privado, e com a diminuição da diferença de idade de aposentadoria entre homens e mulheres. A primeira medida é correta e deve abarcar também uma revisão de aposentadorias especiais com tempo de contribuição inferior a 35 anos, pois nem todas são justificáveis. A segunda mudança, também necessária para a sustentabilidade do sistema, precisa ser acompanhada de um debate profundo sobre as desigualdades no mercado de trabalho.
Certamente outros pontos polêmicos da reforma da Previdência aparecerão nas próximas semanas. Eles devem sempre ser avaliados tendo em mente a urgência das mudanças e a necessidade de o modelo, no fim das discussões, se tornar mais justo e equilibrado. Esse é um problema que não pode ser jogado para o futuro.
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