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Editorial

Reforma do Estado e distribuição de renda

(Foto: Ana Volpe/Agência Senado)

O mundo está presenciando manifestações sociais e conflitos violentos em vários países. Na América do Sul, repetem-se as manifestações de rua, os conflitos, os distúrbios e os confrontos com mortes. O Chile tem sido palco de praticamente uma convulsão social que vem causando assombro e surpresa, especialmente por ser o país com a maior renda por habitante entre os sul-americanos e por ter tido sucesso e crescimento sob um sistema econômico capitalista e liberal. Outros países passaram ou estão passando por problemas políticos e sociais graves, como Venezuela, Paraguai, Peru e Argentina, sempre com protestos em massa e perturbações que colocaram em xeque seus governos e abalaram a estabilidade política.

É um momento propício para estudar, analisar e tentar entender o que vem acontecendo, onde estão os erros e quais soluções podem ser encaminhadas. Entretanto, é preciso fazê-lo com critérios científicos, metodologia, informação e compreensão histórica. Há um vício típico dos latino-americanos, especialmente entre a classe política, que é a mania de ter opinião sobre tudo e sobre assuntos que não foram estudados. Explicações superficiais, apressadas e sem o esforço de pesquisa, estudo, análise e uso de métodos da ciência são apenas exercícios de leviandade e irresponsabilidade. Neste momento, algumas questões podem ser colocadas como parte de um esforço de pesquisa e estudo, e que estão presentes tanto nos países em crise quanto em outros, como é o caso do Brasil.

O Estado, quando se torna um agente da concentração e da desigualdade, passa a ser causa dos males que deve combater

Há flagelos sociais que, quando presentes simultaneamente, atuam como fomento de crises, manifestações, conflitos e riscos de ruptura política e social. Fome, miséria, pobreza, desemprego, concentração de renda, desigualdade, corrupção e deficiências nos serviços públicos estão entre os males capazes de provocar movimentos de massa, crises e distúrbios públicos. O primeiro ponto a entender é que esses males têm correlação entre si e atuam uns como causas dos outros. Como exemplo, no Brasil, a pobreza e a miséria são agravadas pela concentração de renda e pela desigualdade, constituindo uma realidade tensa e propícia a movimentos sociais, o que é mais grave quando o setor público se torna um dos agentes da concentração de renda e da desigualdade. O Estado – que tem, como uma das razões de sua existência, a função de contribuir para melhorar a distribuição de renda –, quando se torna um agente da concentração e da desigualdade, passa a ser causa dos males que deve combater.

Em 2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo federal, fez estudos mostrando que o setor público contribui para concentrar a renda, logo, para aumentar a pobreza e a miséria. Naquele estudo, o Ipea afirmava que o governo causa desigualdade pela remuneração dos servidores públicos (na época, 23% acima da média do setor privado para as mesmas funções), pela previdência social dos servidores públicos (o limite de aposentadoria do setor privado era dado pelo teto do INSS, hoje em R$ 5.839,45, enquanto a maior parte dos servidores se aposentava com salário integral), pelo sistema tributário e por outras distorções, e terminava dizendo que o Estado era responsável por um terço da concentração de renda no país, mesmo considerando os efeitos positivos dos programas sociais.

Entre as razões de o governo existir estão proteger a vida, a liberdade, a propriedade e a segurança dos cidadãos, atuar na amenização dos ciclos econômicos (sobretudo no combate às recessões) e ajudar na distribuição da renda, reduzir as desigualdades e diminuir a pobreza. Para tanto, entre suas funções clássicas estão a defesa nacional, a justiça, a segurança interna, a preservação do meio ambiente e os serviços de interesse coletivo, como educação, saúde, saneamento e infraestrutura púbica. Entretanto, o que se tem visto no mundo, e isso vale especialmente para a América Latina, é a falência do setor estatal, com crises de déficits fiscais, dívidas elevadas, ineficiência, corrupção e desvio das funções clássicas de governo.

No Brasil, o setor público tornou-se um gigante intervencionista, proprietário de bancos, siderúrgicas, metalúrgicas, mineradoras, usinas de energia, telefônicas, portos, aeroportos, sabendo que cada centavo alocado em empresas estatais iria faltar para infraestrutura física, saúde, educação e demais funções típicas de governo. Como o governo não cria recursos do nada, a necessidade adicional de sustentar uma máquina estatal grande, inchada, com salários elevados, desperdícios, fraudes e desvios levaria, por óbvio, a uma carga tributária exagerada, serviços públicos precários e um setor estatal que ajuda a concentrar a renda e dificulta a redução da pobreza.

Olhando a realidade latino-americana atual, o Brasil deve levar a sério a necessidade de recuperar o crescimento da economia, reformar o setor estatal, melhorar sua eficiência, reduzir a corrupção e adequar a estrutura governamental à realidade do país, como parte da necessidade de ter um corpo de leis, um sistema de governo e uma estrutura de gasto público que contribuam com realizações capazes de reduzir as tensões sociais e desestimular as crises, como: melhoria na distribuição de renda, redução das desigualdades, diminuição da pobreza e eliminação da miséria absoluta. Mas essa responsabilidade não é só dos políticos e dos governos: é também dos cidadãos, dos empresários, das entidades de classe, dos intelectuais, dos formadores de opinião, ou seja, de toda a sociedade.

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