A história se repete. A cada novo escândalo no Congresso Nacional, o que, diga-se de passagem, não é nada incomum, a primeira frase da operação "abafa" é sempre a mesma: "Precisamos aprovar, com urgência, uma reforma política no Brasil". É o código de alerta. O sinal combinado. Lançada a frase sem dúvida fundamentada numa necessidade verdadeira , nossos representantes em Brasília se articulam e, durante algum tempo o suficiente para que a sociedade se esqueça do escândalo da vez , não se fala em outra coisa: é reforma política para lá e reforma política para cá.
Não foi diferente, portanto, com o escândalo das verbas indenizatórias e das passagens aéreas. Acionado o botão de pânico, a famigerada frase foi pronunciada e o discurso foi rapidamente alinhado. Com isso, o tema do momento passou a ser, então e novamente, a reforma política. Ocorre que, desta vez, os congressistas resolveram não ficar só no discurso. Estão todos realmente empenhados, ao que tudo indica, em aprovar uma reforma.
Mas, como infelizmente já era de se esperar, não uma reforma muito ampla, que trate com profundidade dos temas realmente importantes e capazes de aprimorar a nossa democracia, tais como o voto distrital misto com lista aberta, o fim do voto obrigatório, punições rápidas e severas para comprovadas infrações eleitorais e assim por diante. Por razões só admitidas e compreendidas em um pequeno espaço do planalto central, nossos contumazes viajantes resolveram focar a sua artilharia em dois temas: o financiamento público de campanha e o voto em lista fechada nas eleições proporcionais.
Quanto ao financiamento público, a proposta seria a de que todas as campanhas fossem financiadas, exclusivamente, com recursos públicos, vedando-se, por consequência, qualquer espécie de contribuição de natureza privada (doações de pessoas físicas e de empresas, por exemplo).
Já pela proposta de voto em lista fechada, o eleitor, nas eleições proporcionais, deixaria de votar em um candidato e passaria a votar em um partido. E os eleitos seriam os constantes da lista do partido, na ordem fixada em convenção partidária.
Pois bem, sobre o financiamento público das campanhas, nem é preciso ir muito longe para se duvidar da conveniência de destinar mais recursos públicos a instituições e pessoas que ainda têm dificuldade em diferenciar a "coisa pública" da "coisa privada". Isso sem falar na continuidade ou não, mesmo com o financiamento público, da recorrente prática do "caixa 2".
No tocante à lista fechada, as preocupações óbvias são: manipulação nas convenções partidárias; se as listas passariam a ser controladas pelos "caciques" dos partidos; se haveria ou não o fortalecimento das siglas e se o mecanismo da lista fechada não seria algo essencialmente contrário à democracia, justamente por afastar o cidadão do seu representante mais direto.
Mas, muito além disso, as principais reflexões que precisamos fazer são as seguintes: são esses os dois aspectos capazes de promover uma verdadeira reforma política, com avanços qualitativos? Com tais mudanças, teremos políticos mais honrados, éticos e qualificados? Teremos uma sociedade mais consciente, fiscalizadora e preocupada com bem público?
Entendemos que não. Não há dúvida de que os financiamentos ilegais devem ser punidos de forma rigorosa e de que devemos todos lutar contra tais práticas. Também não há dúvida de que devemos e precisamos fortalecer os partidos. Mas, para que isso ocorra, não dependemos do financiamento público de campanha ou do voto em lista fechada, mecanismos que, se adotados, farão com que, no nosso aprendizado democrático, pulemos do jardim de infância para o ensino médio, sem passarmos pelo ensino fundamental.
Assim, se nossos nobres deputados e senadores realmente desejam o bem do povo brasileiro, se querem aprimorar nossa democracia e promover uma reforma política importante, que lutem por algo que realmente modifique a realidade de uma gente tão sofrida. Que concentrem as suas forças na defesa do fim do voto obrigatório, um instituto que num país como o nosso apenas contribui para a manutenção do status quo e para transmitir à população a sensação de democracia. Que trabalhem pela adoção do voto distrital misto, com lista aberta, sistema que proporcionaria um maior equilíbrio na composição das casas legislativas, a maior representatividade de todas as regiões e uma possibilidade mais concreta de fiscalização dos mandatos.