O pleito de alguns partidos para a anulação da cláusula de barreira não consulta ao interesse público e deve ser rejeitado pela Justiça; esse dispositivo representa um passo, limitado mas concreto, para o aperfeiçoamento da democracia brasileira, ao aproximar o processo político da "verdade eleitoral". O que se espera é que, no bojo das lições do período em conclusão caracterizado por escândalos que ampliaram a dificuldade para governar o país avance no rumo das reformas de natureza política: fidelidade partidária, financiamento público de campanhas, voto em deputados por lista e sistema distrital. Embora não seja realista acreditar em todas essas mudanças, trata-se do avanço possível.
Por isso se impõe consolidar a observância da clausula de desempenho da Lei 9096, de 1995, que estabeleceu critérios para o reconhecimento pleno dos partidos: o funcionamento parlamentar, com direito à instalação de gabinetes de liderança e participação nas comissões, acesso ao fundo partidário e direito à propaganda eleitoral fica restrito a legendas que tenham obtido um mínimo dos votos gerais, distribuídos pelos estados federados.
Sob tal regra é aceitável a fusão de pequenas legendas, desde que a Justiça Eleitoral exija a garantia de vínculo obrigatório e irrevogável na unificação requerida. Não pode ser fusão "para inglês ver", embuste para neutralizar o cumprimento da exigência legal. A vigência da cláusula restritiva e, na seqüência, a concretização de uma reforma possível é de interesse do próprio governo, que se dispõe limitar suas negociações às bancadas partidárias para evitar a repetição do erro de 2003, restaurando o presidencialismo de coalizão em bases sustentáveis.
Essa ampliação do coeficiente de democracia é um objetivo de nossa sociedade desde a independência: a primeira Constituição, de 1824, limitava a participação política a menos de 3% da população, ao criar obstáculos ao direito de voto para a maioria do povo. No II Império a Lei Saraiva, reforma feita já na véspera da República, ampliou esse colégio eleitoral mas deixou de fora, ainda, as mulheres e os analfabetos. O advento do regime republicano aumentou a participação popular; mas "eleições a bico de pena", sob pressão de chefetes regionais, foram uma das causas da Revolução de 1930, que na continuidade com a redemocratização de 1946, sepultou o domínio daquelas oligarquias ao introduzir o voto secreto, serviço eleitoral autônomo e outras garantias.
Infelizmente na ocasião optou-se pelo voto proporcional na escolha de deputados, situação agravada com a liberalidade na formação de partidos após o ciclo autoritário de 1964-85. Nesse último período, típico da diástole política a que se referia Golbery do Couto e Silva, ocorreu fragmentação irresponsável na representação parlamentar com as conseqüências conhecidas. Conscientes de que tal cenário enseja riscos para a democracia, é hora de adotarmos uma reforma capaz de contribuir para a evolução do país.