A comissão parlamentar que discute a reforma política começará a avaliar no início de agosto a proposta do deputado Vicente Cândido (PT-SP). A percepção geral é de que o Congresso aprovará mudanças no sistema eleitoral e partidário, mas não está claro se este é o momento ideal, nem se o resultado será produtivo.
Não há questionamentos quanto ao fato de que o Brasil precisa reformar seu sistema político. Sintomas dessa necessidade não faltam. Há no país uma profusão de partidos, muitos deles considerados de “aluguel”, sempre de olho no fundo partidário e no tempo de tevê. O sistema de votação para o Legislativo, com eleição proporcional em lista aberta, pode evoluir. Temas como as coligações e o financiamento das campanhas precisam ser revistos, assim como uma cláusula de barreira deveria ser estipulada.
Se a necessidade é inegável, é preciso avaliar o momento político. O atual Congresso poderia aproveitar seu último ano para deixar como legado um novo sistema eleitoral para as eleições municipais de 2020 e, mais importante, para as eleições nacionais de 2022. Quanto antes as mudanças são discutidas e informadas à sociedade, maiores as chances de serem bem compreendidas – principalmente quando se trata de alterações na forma de votação.
A realidade, no entanto, é mais complexa. O atual Congresso convive com denúncias de corrupção que estão intimamente ligadas ao processo eleitoral e pensa em uma reforma para o curto prazo. O instinto de sobrevivência dos congressistas tende a se sobrepor às necessidades de longo prazo do país. Não é por acaso que o ponto central da discussão hoje é a criação do Fundo para o Financiamento da Democracia (FFD), que em 2018 adicionaria R$ 3,6 bilhões ao caixa dos partidos políticos.
Outra demonstração do oportunismo que ronda o debate é a absurda “Emenda Lula”, uma ideia acatada pelo relator da reforma que parece ter sido desenhada para beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A proposta é que seja proibida a prisão de candidatos até oito meses antes das eleições – prazo que atualmente é de 15 dias. De acordo com o texto, o postulante a cargos públicos teria de se habilitar na Justiça Eleitoral em fevereiro do ano eleitoral como pré-cadidato e a confirmação do salvo-conduto teria de ser feita até o fim de abril. Na prática, sua aceitação pelo Congresso pode colocar uma limitação importante à eficácia da Lei da Ficha Limpa.
Se fosse capaz de se livrar do interesse de autopreservação, o Congresso teria condições de entregar uma reforma produtiva. Um sinal disso é que o relatório em debate traz pela primeira vez a possibilidade de o Brasil adotar o sistema do voto distrital misto nas eleições legislativas. Esse é o melhor modelo de votação porque combina a representação de grupos dispersos – que não formam a maioria em uma determinada região – com a eleição de legisladores que realmente representam a vontade de uma maioria em uma área, criando-se laço muito forte entre o eleitorado e representantes. É também um sistema que permite campanhas mais baratas.
A visão sobre financiamento das eleições, porém, teria de amadurecer. A tendência atual é de se erguerem ainda mais barreiras ao financiamento privado, com a manutenção do veto às doações de empresas e um teto bastante limitado às pessoas físicas. Expulsar as contribuições privadas acarreta o risco de não se permitir o surgimento de novas forças políticas fora dos partidos tradicionais, os maiores beneficiados com o superfundo eleitoral em debate no Congresso. E nada garante que o famigerado caixa dois será extinto com isso.
Também parece haver pouca disposição no Congresso em mexer nas estruturas partidárias, para torná-las mais democráticas. O fim das coligações e a revisão das cláusulas de barreira, temas extensamente discutidos e sobre os quais seria possível construir uma proposta de consenso em pouco tempo, seriam medidas nessa direção. Nada disso é contemplado diretamente pelos relatórios que serão colocados em debate. A maior nos textos é dividir o dinheiro vindo do Tesouro de forma a beneficiar as grandes legendas.
O desafio de uma boa reforma política é encontrar uma fórmula que estimule a abertura à maior participação do eleitorado e delimite o funcionamento dos partidos. Nosso sistema atual é disfuncional por dar demasiado poder aos caciques das legendas e não criar laços entre o eleitorado e seus representantes. O momento para a elaboração das mudanças seria bom, não estivesse o Congresso concentrado em apenas conseguir mais dinheiro para as campanhas.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura