“Nós precisamos discutir com profundidade o que foi essa antirreforma da Previdência”, disse o novo ministro da Previdência Social, o pedetista Carlos Lupi. O novo ministro do Trabalho, o petista Luiz Marinho (“novo” em termos, pois já ocupara o mesmo cargo entre 2005 e 2007), já anunciou a intenção de “rever” a reforma trabalhista para “corrigir erros”. E a caneta presidencial, por meio da Medida Provisória 1.154 (que reorganiza o governo federal) e de um decreto sobre a estrutura do Ministério das Cidades, tirou atribuições da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) e pode colocar em risco a regulamentação do novo marco legal do saneamento básico. São três demonstrações bastante evidentes de que o plano de Lula e de seus ministros para o Brasil não é uma “reconstrução”; é uma marcha a ré, à velocidade máxima.
O maior risco, no momento, é o que atinge o marco legal do saneamento, aprovado em 2019 na Câmara e em 2020 no Senado, sempre com oposição da esquerda. A regra aumenta a concorrência no setor ampliando as possibilidades de participação da iniciativa privada, impõe padrões de governança e proíbe a contratação de estatais sem licitação, tudo com o objetivo de eliminar uma vergonha brasileira: 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada, enquanto 100 milhões não têm serviço de coleta de esgoto – e apenas metade do esgoto coletado no país é devidamente tratado. A universalização do serviço até 2033 depende de novos investimentos, feitos por quem tenha a capacidade de realizá-los; mas o “revogaço” lulista, no que diz respeito ao saneamento, privilegia justamente empresas estatais que não puderam comprovar capacidade econômico-financeira para seguir fornecendo o serviço nos padrões estabelecidos pelo novo marco legal. No fim, isso pode se tornar um prêmio a quem não demonstrou ser capaz de proporcionar uma boa cobertura à população até agora.
Sem água, sem esgoto, sem aposentadoria e sem emprego – a julgar pelas promessas dos novos ministros e pelas primeiras canetadas de Lula, é neste perfil que o petismo quer ver muitos brasileiros
Não são menos preocupantes as declarações dos novos ministros de Lula, ainda que sejam manifestação de intenções, e não medidas concretas como a MP e o decreto que afetaram o marco do saneamento. A reforma da Previdência de 2019 certamente não é isenta de críticas, mas não aquelas que Lupi faz a ela – na verdade, o maior problema da reforma foi não ter avançado ainda mais e ter mantido alguns privilégios no setor público, especialmente para certas categorias, em vez de ser mais igualitária, como dizia a proposta original. Desfazer o que foi feito seria recolocar a Previdência Social no caminho da implosão já no médio prazo, e as declarações do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, desautorizando o colega de gabinete não chegam a tranquilizar, dado o histórico petista de ataques à reforma.
Lupi diz querer “discutir com números”, embora sua retórica indique que seu desejo é discutir com os números, quem sabe ressuscitando as falácias contábeis de quem dizia não existir déficit na Previdência ao colocar outros itens no papel para que as contas fechassem – a farsa chegou até a constar no relatório final de uma CPI. A matemática, no entanto, é implacável: o sistema previdenciário brasileiro, no atual sistema de repartição, é inviável no médio e longo prazo, com cada vez menos trabalhadores na ativa bancando cada vez mais aposentados. Este é o problema que precisa ser solucionado para que os brasileiros do futuro ainda possam ter a perspectiva de uma aposentadoria digna.
Por fim, Marinho diz prometer “diálogo” para “modernizar a legislação” trabalhista, mas o mais provável é que não ocorra nem uma coisa, nem outra. Isso porque o conceito lulopetista de “diálogo” não é o da abertura a opiniões contrárias para que daí surja uma boa proposta de consenso, mas o da construção de caixas de ressonância em que só “dialogue” quem já esteja predisposto a apenas repetir o que o petismo determinar. E também porque todas as declarações anteriores de Lula e outros petistas sobre a reforma trabalhista de 2017 – um avanço que trouxe maior segurança jurídica para as relações de trabalho e criou novos modelos de contratação – apontam não para uma modernização, mas para um “re-engessamento”, desconsiderando todos os fatores atuais que atrapalham a geração de emprego com carteira assinada e ignorando que há outras configurações de relações trabalhistas que são de interesse tanto dos trabalhadores quanto dos empregadores. Apesar de Lula herdar um país com desemprego em queda, uma possível estagnação em 2023 – o desfecho óbvio da política econômica irresponsável que o PT pretende implantar – colocará muitos entraves ao mercado de trabalho; a função do poder público é de removê-los, não o de consolidá-los.
Sem água, sem esgoto, sem aposentadoria e sem emprego – a julgar pelas promessas dos novos ministros e pelas primeiras canetadas de Lula, é neste perfil que o petismo quer ver muitos brasileiros. No entanto, como muitos retrocessos não têm como passar sem o aval do Congresso Nacional, ainda há esperança de que uma oposição numerosa e combativa seja capaz de pisar no freio e, se não for possível recolocar o país no rumo certo, que ao menos impeça o desastre.
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