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Editorial

Alíquota maiúscula, debate minúsculo

Senadores comemoram aprovação da PEC da reforma tributária em dois turnos no plenário do Senado na noite de quarta-feira (8). (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

O placar foi o mesmo nos dois turnos de votação, e a maioria foi apertada: com 53 votos, apenas quatro a mais que o mínimo necessário, o Senado aprovou sua versão da PEC 45/2019, a reforma dos impostos sobre produção e consumo. Ao longo dos próximos anos, cinco tributos serão unificados em um IVA dual, dividido em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios. É possível enxergar o copo meio cheio e afirmar, corretamente, que a simplificação é muito bem-vinda, dado o atual manicômio tributário nacional, que suga tempo e recursos humanos e financeiros das empresas que se esforçam para cumprir suas obrigações com o Fisco. Já o copo meio vazio nem de longe se resume ao fato de que o Brasil muito provavelmente terá a maior alíquota de IVA entre os cerca de 170 países que adotam esse sistema: todo o debate sobre a reforma tributária evidenciou um deserto de ideias no parlamento.

Diagnósticos corretos sobre as distorções do sistema tributário brasileiro não faltam. A mais evidente delas é o fato de a arrecadação, no Brasil, se apoiar fortemente em tributos sobre a produção e consumo, e não nos impostos sobre renda e patrimônio (que ainda serão tema de outro projeto). Este sistema, herança de um tempo em que a população tinha renda média bem inferior à atual, é especialmente perverso com os mais pobres, já que, ao adquirir um produto ou contratar um serviço, ele paga exatamente o mesmo imposto que um rico pagaria em termos nominais, mas não em termos proporcionais: aquele valor representa uma parcela muito maior da renda do pobre que da renda do rico. Este problema e sua respectiva solução, com uma reorganização do sistema tributário para onerar menos a produção e o consumo, já foram mencionados por vários economistas e think tanks; o mesmo ocorreu com como outros gargalos sérios, a exemplo da pesada tributação sobre a folha salarial, que inibe a geração de emprego formal, e a concentração do bolo tributário em Brasília, quando ele deveria ser gerido principalmente por estados e municípios.

Parlamentares poderiam ter debatido a fundo as distorções do modelo tributário brasileiro e como resolvê-las, mas preferiram ficar na simplificação – que é necessária – e discutir apenas sobre quem escaparia da alíquota cheia

Mas, se em algum momento essas ideias chegaram a ser levadas a sério no Congresso, elas logo foram descartadas em prol da mera simplificação de tributos sem alteração na composição da arrecadação total: os futuros impostos sobre produção e consumo deveriam levantar o mesmo que os atuais impostos em vias de serem substituídos, e assim sucessivamente – no máximo, acena-se com algumas mudanças mínimas em alguma etapa futura da reforma, por exemplo elevando outros tributos para tentar desonerar a folha de pagamento. Dispensados de refletir mais profundamente sobre que tipo de sistema tributário é o melhor para o Brasil, deputados e senadores – com raras e honrosas exceções – se lançaram de cabeça na discussão muito mais prosaica sobre que setores pagariam mais ou menos IVA e como o bolo seria repartido entre governo federal e entes subnacionais.

O resultado está aí: para manter a arrecadação sobre produção e consumo, era óbvio que a alíquota padrão do IVA já seria das mais altas do mundo ainda que não houvesse exceções. No fim, ela será ainda mais elevada graças ao sucesso de grupos de pressão que têm o respaldo de um ou mais parlamentares – e, como se não bastasse, no próprio dia da votação no Senado mais um setor, o de eventos, foi adicionado à lista de exceções. Como já dissemos em outras ocasiões, o problema não é que haja exceções, pois elas poderiam refletir escolhas conscientes do poder público sobre atividades econômicas ou regiões geográficas que se deseje fomentar; o problema é que as exceções sejam definidas apenas na base do grito.

Como o Senado alterou o projeto que veio da Câmara, a PEC 45 terá de voltar a ser analisada pelos deputados, mas não haverá mudanças na sua espinha dorsal. Isso quer dizer que, embora o ambiente político nunca tenha sido tão favorável à aprovação de uma reforma tributária, o resultado final terá um efeito drástico sobre vários setores, continuará punindo os mais pobres e concentrará mais ainda os recursos em Brasília, restando como prêmios de consolação medidas paliativas como cashbacks e fundos de compensação. Ainda que a simplificação seja mesmo necessária e bem-vinda, é impossível não pensar que uma grande chance de modernizar o sistema tributário brasileiro e torná-lo mais justo corre o risco de ser desperdiçada. Os parlamentares, seja na discussão final da PEC 45 na Câmara, seja nos futuros projetos envolvendo a reforma, têm a chance de debater a tributação no Brasil com muito mais profundidade em comparação com o que foi feito até agora. Subsídios para isso não faltam; agora é preciso usá-los.

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