O governo federal e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), estão ansiosos para aprovar o quanto antes o primeiro dos projetos de regulamentação da reforma tributária, referente ao novo imposto sobre valor agregado, que no Brasil será dividido entre um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Lira já botou em funcionamento seu “tratoraço”, em parceria com o Palácio do Planalto; isso significa que a discussão ocorrerá sem o devido debate nas comissões temáticas, indo diretamente para o plenário. O procedimento deixa para as centenas de deputados a responsabilidade sobre a definição final dos setores que pagarão alíquotas cheias e quais terão algum tipo de redução, já que o grupo de trabalho montado na Câmara praticamente lavou as mãos sobre o tema, limitando-se a ratificar o que havia de consensual entre os partidos.
A alíquota cheia, somando-se o IBS e o CBS, certamente será uma das altas do mundo – só falta definir sua posição exata no ranking de cerca de 170 nações que usam o modelo de imposto sobre valor agregado. A porcentagem poderia ser menor, caso os autores da reforma tivessem optado por reduzir a tributação sobre produção e consumo, que é mais cruel com os pobres. Afinal, a alíquota e o valor pago acabam sendo os mesmos independentemente do poder aquisitivo de quem consome, mas esse mesmo valor faz mais falta a quem tem pouco que para quem tem muito. Segundo dados da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, as famílias mais pobres gastam 21% de sua renda pagando impostos sobre produtos e serviços, tributos que levam apenas 8% da renda dos mais ricos. No entanto, como o governo não abre mão de um centavo em arrecadação, o país seguirá tributando pesadamente a produção e o consumo.
O risco é o de que, em vez de critérios objetivos ou racionais para definir setores que pagarão menos IBS e CBS, prevaleça quem tenha o lobby mais persuasivo ou o melhor padrinho
Neste cenário, praticamente todos os setores da economia estão empenhados em uma briga de foice para conseguir zerar seus impostos, ou ao menos pagar alíquotas menores de IBS e CBS; uma batalha semelhante ocorre em torno do imposto seletivo, apelidado de “imposto do pecado”, e que em tese serviria para desencorajar o consumo de itens considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Em alguns casos, até mais importante que escapar do imposto seletivo, já que para alguns tipos de produto ou serviço a cobrança parece inevitável, é garantir que a concorrência seja igualmente tributada.
Pleitear a inclusão no rol das exceções é uma aspiração legítima de todos os setores que resolveram entrar nesta briga. O papel dos parlamentares é o de aceitar ou rejeitar os pedidos, baseando-se em critérios objetivos ou em escolhas racionais sobre quais atividades devem ser fomentadas. No entanto, o risco é o de que, no fim das contas, prevaleça quem tenha o lobby mais persuasivo ou o melhor padrinho no Executivo ou no Legislativo. O próprio Lula já se intrometeu na discussão ao sugerir que o frango e os cortes bovinos menos nobres ficassem livres da tributação, algo que até o momento não foi contemplado. Um exemplo curioso de como a discussão vem sendo feita sem critério é o fato de carros elétricos estarem na lista prévia de produtos do imposto seletivo, mas caminhões a diesel não – exatamente o oposto do que se esperaria de um tributo com objetivo ambiental.
Estudos que embasem escolhas racionais na definição dos setores contemplados com alíquotas menores não faltam; são pesquisas sobre hábitos de consumo da população que determinam, por exemplo, o peso de cada item na conta do IPCA, e elas permitiriam saber que produtos e serviços são mais consumidos pela população mais pobre, caso o objetivo seja o de aliviar o peso da tributação sobre essa parcela da sociedade. São informações valiosas que deveriam estar na mesa de discussão – mas sempre tendo em mente que cada setor, produto ou serviço com alíquota reduzida ou zerada ajudará a elevar a alíquota padrão, já que o governo não quer perder arrecadação e a matemática é imune a lobbies e pressões setoriais.
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