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Quando a reforma tributária começou a tramitar na Câmara dos Deputados, já era amplamente sabido que, quanto mais setores fossem excluídos da alíquota cheia do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), maior seria essa alíquota. E não era preciso ser nenhum gênio da matemática para compreender que seria assim: basta observar experiências bastante prosaicas. Quanto mais grupos ganham direito legal à meia-entrada, mais caro fica o valor do ingresso; quanto mais pessoas recebem gratuidades no transporte coletivo, mais a tarifa sobe. Afinal, os custos dos espetáculos, da operação de uma sala de cinema ou da circulação de ônibus e metrô permanecem os mesmos; eles não caem apenas porque algum burocrata decidiu que mais espectadores ou passageiros deveriam pagar menos. No entanto, a julgar pelo relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM), de nada adiantaram os alertas que vieram de todos os lados.
A Câmara dos Deputados já havia aumentado o número de setores isentos ou que pagariam uma alíquota descontada, em comparação com o que constava do projeto inicial enviado pelo governo federal. Com isso, as estimativas para a alíquota cheia subiram de cerca de 25% para 28,4%, de acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ou até para 33,5%, nas contas de Felipe Salto, economista e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) – em ambos os casos, o Brasil conquistaria o nada lisonjeiro título de país com o maior IVA do mundo. O senador Braga não se deixou influenciar por essas previsões: foi além e colocou ainda mais exceções em seu relatório. Uma delas, o desconto de 30% na CBS (a parte do IVA que substituirá impostos federais) para profissionais liberais como médicos, advogados e contadores, era uma reivindicação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, advogado de profissão.
Quem ficou de fora das exceções terá inúmeras razões para se preocupar, pois o mais provável é que a alíquota final acabe esticada até onde o governo puder
Em um cenário como este, mesmo as travas que o relator incluiu no texto para impedir elevação da carga tributária não devem trazer muito alívio ao contribuinte, caso elas permaneçam na redação final da reforma. Quem ficou de fora das exceções terá inúmeras razões para se preocupar, pois o mais provável é que a alíquota final acabe esticada até onde o governo puder – especialmente quando falamos deste governo específico, que tem em seu DNA tanto o amor pelo gasto público infinito quando a ojeriza a medidas de ajuste e responsabilidade fiscal. Isso ficou bem evidente na apresentação do arcabouço fiscal, apoiado exclusivamente em elevação da receita e com garantias de “aumento real” na despesa independentemente do desempenho da economia. Infelizmente não estão na mesa nem uma redução de gastos que poderia economizar R$ 700 bilhões em dez anos, nem uma reorganização mais ampla do sistema tributário que elevasse a porcentagem da arrecadação nacional oriunda de tributos sobre renda e patrimônio para permitir a redução da carga sobre a produção e o consumo.
Isenções ou reduções tributárias são um instrumento legítimo para fomentar o desenvolvimento de determinadas regiões geográficas ou setores econômicos, e não é um absurdo em si mesmo que algumas exceções estivessem previstas na reforma tributária. O absurdo surge quando as isenções ou reduções não são fruto de uma escolha consciente e bem fundamentada a respeito de quem realmente necessita desta renúncia tributária e de que objetivos se pretende alcançar oferecendo uma tributação reduzida, mas sim o resultado de uma briga na qual é contemplado quem sabe gritar mais alto ou tem os amigos certos, ou na qual a tributação é usada para se fazer populismo.
É verdade que alguns setores sofrerão com maior intensidade os efeitos da reforma, mas a solução não está em simplesmente transpor para o futuro IVA as distorções do atual emaranhado tributário, e sim em oferecer períodos mais longos de transição aos que tiverem elevação da carga tributária, para evitar solavancos que causem efeitos nefastos como quebradeiras. O mesmo se pode dizer da discussão sobre as alíquotas: é impossível chegar a um modelo que contente a todos os setores da economia e todos os entes subnacionais, mas é, sim, possível conseguir que os “perdedores” não saiam tão prejudicados se a alíquota cheia não for tão elevada, o que só será possível se as exceções e isenções não forem tão numerosas. A proposta que tramita no Congresso está mais para a reforma possível que para a reforma ideal, mas o pragmatismo não pode servir de pretexto para que alguns setores sejam excessivamente prejudicados porque outros foram injustamente beneficiados.