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Editorial

Reforma e justiça tributária

Protesto contra aumento de impostos em Brasília
Manifestantes jogam patos de borracha no espelho d·água do Congresso Nacional em protesto contra aumento de impostos, em 2015. (Foto: Lucio Bernardo Jr./ Câmara dos Deputados)

Assim que a Câmara dos Deputados terminar sua parte na aprovação da reforma da Previdência, já tem outro projeto de enorme potencial em suas mãos para o segundo semestre: a reforma tributária. Qualquer ranking sobre a facilidade de se fazer negócios no Brasil mostra que a simplificação dos tributos é urgente, e quanto a isso o Congresso parece estar em consenso. O que não se sabe, por enquanto, é qual das diferentes propostas de reforma deve prevalecer.

A Câmara dos Deputados já tinha uma proposta consolidada, a PEC 293/04, aprovada em comissão especial no fim do ano passado e que unificava dez impostos. Em vez de seguir com ela, os parlamentares a abandonaram e iniciaram a tramitação de outra PEC, a 45/2009, cujo mentor é o economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, e que reúne cinco impostos. Ao fazer isso, no entanto, os deputados colocaram para escanteio o governo federal, que já tinha manifestado intenção de enviar um projeto próprio, mas decidiu esperar pela tramitação da reforma da Previdência. O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, é antigo entusiasta de um “imposto único” sobre movimentações financeiras, mas por enquanto a probabilidade maior é de que o projeto do governo também se concentre na unificação de tributos federais. A tarefa de propor a antiga plataforma de Cintra coube a um grupo de empresários, que desejam substituir todos os impostos – federais, estaduais e municipais – por um único tributo a ser cobrado sobre todas as movimentações financeiras, como na extinta CPMF. E a própria PEC 293 pode retornar, desta vez pelas mãos do Senado, de acordo com o presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

A unificação de impostos é necessária, mas não resolve uma distorção profunda: a ênfase nos impostos sobre produção e consumo, em vez da tributação sobre patrimônio e renda

O deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que assina a PEC 45/2019, tem adotado postura conciliadora e não descarta a possibilidade de que seu texto acabe incorporando ideias vindas da equipe econômica do governo – decisão que, no fim das contas, caberá ao deputado que for escolhido como relator da matéria na comissão especial da Câmara, que já foi criada, mas não teve membros indicados. O resultado final desta confluência de ideias às vezes divergentes sobre o sistema tributário nos dirá se o Congresso vai votar uma grande e necessária simplificação de impostos, ou se irá além e promoverá uma reforma realmente digna do nome, atacando na raiz alguns males que afligem o país há muitas décadas.

Um deles, mais imediato, diz respeito à distribuição do bolo tributário entre União, estados e municípios. Este tema aparecerá na tramitação da reforma porque a unificação proposta por Appy inclui o ICMS, estadual, e o ISS, municipal. Ao diminuir a autonomia de estados e municípios, que só verão o dinheiro desse novo imposto via redistribuição por parte da União, é possível que prefeitos e governadores se oponham à proposta. Deveríamos estar discutindo meios de aumentar o bolo dos impostos destinado aos entes subnacionais, cada vez mais sobrecarregados em termos de atribuições; em vez disso, a única proposta concreta feita até agora tira poder de estados e municípios e cria toda uma nova burocracia responsável por calcular repasses.

Além disso, a unificação de tributos não resolve uma distorção profunda do sistema tributário brasileiro: a ênfase nos impostos sobre produção e consumo, em vez da tributação sobre patrimônio e renda. Isso vai na contramão da chamada “justiça tributária”, em que paga mais quem tem mais, e a explicação é simples: ao comprar determinado produto, tanto o pobre quanto o rico pagam a mesma quantia em impostos, mas esse valor faz muito mais falta ao pobre que ao rico. Quando a maioria da arrecadação vem desse tipo de imposto (caso do IPI, do ICMS ou do ISS), o pobre acaba pagando muito mais impostos que o rico, em termos de proporção de sua renda. Caso a tributação incidisse muito mais sobre o patrimônio e a renda, em vez da produção e do consumo, a arrecadação seria mais proporcional à riqueza de cada um, ao mesmo tempo em que os preços de produtos e serviços baixariam, beneficiando todos os consumidores, especialmente os mais pobres.

Claro que, se apenas promover a simplificação e a unificação de impostos, o Congresso já estará fazendo um grande favor ao país. Mas, havendo a oportunidade de resolver alguns problemas estruturais da tributação no Brasil, não há por que fugir do debate. O fato de todos reconhecerem a necessidade de uma reforma tributária é uma vantagem, pois poupa o país de discussões inúteis que só levam a desperdício de tempo, como no caso de quem nega o déficit da Previdência. Que a ocasião seja, então, aproveitada para discutir com profundidade os méritos de cada proposta, fazendo emergir um sistema simples, economicamente e socialmente justo.

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