O desfecho da tramitação do primeiro projeto de lei complementar da reforma tributária, que regulamenta o novo sistema de impostos sobre a produção e o consumo, deixa no ar uma sensação mista. Por um lado, há alívio pelo fato de o país finalmente adotar uma simplificação muito necessária, e pela sensação de que “poderia ter sido pior” em termos de alíquota final do novo IVA dual. Por outro lado, essa mesma alíquota ainda colocará o Brasil entre os países que mais cobram esse tipo de imposto – isso se não terminarmos com o título e o recorde mundial na modalidade em 2032 –, e podemos lamentar a falta de uma discussão mais profunda sobre que modelo de tributação queremos para deixar de punir os mais pobres.
Quando o Senado devolveu à Câmara o PLP 68/2024, havia ampliado ainda mais a lista de setores e produtos com isenções ou descontos. Com isso, fez com que a alíquota padrão do IVA dual – formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, federal) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, estadual e municipal) – ficasse acima dos 28%, considerando que o objetivo do governo é seguir arrecadando, com o IVA dual e o Imposto Seletivo, o mesmo que tira da sociedade com o cipoal de tributos e o emaranhado de alíquotas em vigor atualmente. O temor de que os deputados mantivessem as alterações dos senadores, deixando o problema para ser resolvido no futuro, era bastante fundado, mas, no fim, não foi exatamente isso o que aconteceu.
Simplificação é necessária, mas alíquota final do IVA dual ainda será uma das maiores do mundo
Benefícios aprovados pelo Senado – como o desconto de 60% na alíquota do IVA para serviços de saneamento, ou a exclusão das bebidas açucaradas (como refrigerantes) do Imposto Seletivo – foram revertidos pela Câmara. Ao desfazer parte do que o Senado havia feito, os deputados estimam ter conseguido baixar a alíquota final em 0,7 ponto porcentual, do qual 0,38 ponto equivaleria apenas à reinclusão do saneamento na lista dos serviços que pagam a alíquota cheia. Os deputados também retiraram a substituição tributária que o Senado havia implantado para bebidas e cigarros – pelo mecanismo, o pagamento do imposto é antecipado para o início da cadeia produtiva. A mudança ocorreu a pedido da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), para quem a substituição tributária iria na contramão do esforço de simplificação que norteou a reforma. No entanto, outras alterações vindas do Senado foram mantidas, como benefícios à Zona Franca de Manaus e o cashback (a devolução de parte do imposto pago por contribuintes de baixa renda) sobre serviços de internet e telecomunicações.
Ao deixar para trás a reforma dos tributos sobre produção e consumo, o governo deve se dedicar agora à mudança nos tributos sobre renda. Lula e Fernando Haddad têm um enorme pepino pela frente: como tornar realidade a promessa, feita no anúncio do pífio pacote fiscal, de isentar do Imposto de Renda os brasileiros que ganham até R$ 5 mil mensais sem piorar ainda mais o quadro fiscal brasileiro, que já é caótico graças à convicção lulista de que é preciso gastar sem fim. A ideia de compensar essa arrecadação perdida, estimada na casa das dezenas de bilhões de reais, elevando a tributação dos mais ricos deve encontrar resistência considerável no Congresso. Em outro front, o governo já demonstrou que não pretende acabar com a escorchante tributação sobre a folha de pagamento, uma política que só serve para desestimular contratações e formalização no mercado de trabalho.
O sistema tributário brasileiro tem três grandes problemas: sua enorme complexidade, a ponto de empresas, para cumprir suas obrigações com o Fisco, precisarem drenar recursos humanos e financeiros que seriam muito melhor empregados na atividade-fim da companhia; a excessiva ênfase na tributação sobre a produção e o consumo, que, sendo idêntica para os ricos e para os pobres, é mais cruel com estes últimos; e o fato de tirar demais da sociedade para devolver pouco em forma de serviços de qualidade, já que boa parte da arrecadação serve para sustentar privilégios de um Estado que se vê como um fim em si mesmo. A reforma recém-aprovada ataca o primeiro problema, deixa intacto o segundo e talvez possa ajudar a solucionar o terceiro, mas apenas se o brasileiro realmente perceber o quanto os impostos encarecem tudo o que consome e se levantar contra isso. Ainda que seja exaltada como a “reforma possível”, ela ainda é muito pouco diante do que seria necessário.