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O Senado concluiu, na quinta-feira, a votação do projeto de lei que regulamenta a primeira fase da reforma tributária, referente aos impostos sobre produção e consumo. O desfecho era razoavelmente previsível: os senadores não quiseram deixar a Câmara com o mérito duvidoso de estabelecer o recorde mundial de alíquota de IVA, superando os 27% da Hungria, e resolveram se apossar da marca. Com as novas isenções ou reduções inseridas pelo Senado, a provável alíquota cheia subirá para 28,1%, cerca de 0,2 ponto porcentual a mais que o resultado previsto com o texto aprovado na Câmara. A alíquota exata não é definida na legislação, mas é calculada pelo Ministério da Fazenda partindo do pressuposto de que a arrecadação com o novo IVA dual (formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços, CBS, federal; e pelo Imposto sobre Bens e Serviços, IBS, estadual e municipal) seja equivalente à dos impostos que ele substituirá, e considerando as isenções e reduções aprovadas pelos parlamentares.
Assim como ocorreu na Câmara, os senadores mostraram que, quanto mais tempo o projeto permanece em tramitação, mais exceções os congressistas resolvem acrescentar. O relator Eduardo Braga, amazonense, ampliou benefícios para empresas instaladas na Zona Franca de Manaus e, para não irritar os colegas dos outros estados da Região Norte, também abriu exceções para áreas de livre comércio em alguns desses estados. Entre os novos produtos e atividades que escaparão da alíquota cheia ou que tiveram reduções ainda maiores estão serviços veterinários, funerários, de saneamento, artes cênicas, alguns tipos de biscoitos, academias de ginástica, água mineral, erva mate, hotéis, bares e restaurantes, e transporte coletivo de passageiros.
Quanto mais tempo o projeto permanece em tramitação, mais exceções os congressistas resolvem acrescentar
A versão aprovada no Senado também aumentou o cashback, a devolução de valores pagos a título de CBS e IBS para contribuintes de baixa renda, incluindo no projeto uma devolução de 20% dos impostos pagos nas contas de telefonia e internet. Por fim, os senadores fizeram mudanças no “imposto seletivo”, um tributo que será cobrado separadamente do IVA dual e que teoricamente (muito teoricamente) incidirá sobre produtos e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente. Uma tentativa do governo e do relator para que armas e munições estivessem sujeitas a essa cobrança – que a Câmara não incluiu – foi derrubada na Comissão de Constituição e de Justiça, e também não prosperou no plenário. Refrigerantes e itens açucarados também não serão atingidos pelo imposto seletivo.
Devido às alterações, o texto tem de retornar à Câmara para mais uma rodada de votações. Assim como os senadores não quiseram comprar a briga com os setores que já tinham sido contemplados com isenções e reduções no IVA, parece muito improvável que os deputados estejam dispostos a arcar com o ônus de desfazer alguma das concessões oriundas do Senado. O mais provável é que sigam contando com a fábula da “trava” que impediria a alíquota cheia de superar 26,5% em 2033, quando a transição estiver concluída. A essa ilusão, o relator Braga acrescentou outra: a de que a reforma aumentará a arrecadação, permitindo que a alíquota final seja mais baixa – só falta, claro, fazer o país escapar da crise que está sendo contratada no médio prazo, graças à irresponsabilidade fiscal do atual governo.
Muito antes que começasse o festival de exceções que joga para cima a alíquota final do futuro IVA dual, já se podia lamentar a oportunidade desperdiçada, pois a dita reforma está mais para uma simplificação (sem dúvida bem-vinda), em vez de uma mudança radical e necessária na estrutura tributária brasileira, que tributa demais a produção e o consumo, em um modelo que prejudica os mais pobres. Da maneira como a reforma tributária está sendo conduzida, não há cashback ou trava que atenuem os efeitos daquela que será a maior alíquota de IVA do mundo.