O Brasil segue envolvido com a eterna reforma tributária em andamento no Congresso Nacional. Em 6 de junho, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresentou relatório ao grupo de trabalho (GT) que discute o assunto na Câmara dos Deputados. A pretensão é que esse texto, aprovado no GT, seja a base para a elaboração de um substitutivo à PEC 45/2019, a ser votado diretamente em plenário, provavelmente no início de julho. O relatório do GT tem 92 páginas e as atividades do grupo, formado por 13 integrantes, foram divididas em duas partes: um histórico do sistema tributário brasileiro e a exposição das conclusões a que chegou o GT. O relatório segue na direção das propostas feitas pelas PECs 45 e 110/2019 sobre a simplificação de impostos sobre o consumo, o fim da cumulatividade e a cobrança no destino de consumo do produto.
A primeira observação, com a qual concordam praticamente todos os parlamentares integrantes do GT, é que o sistema tributário atual sobre o consumo é complexo, disfuncional, ineficiente, desequilibrado e injusto. O documento lista 16 causas que resultaram no monstro tributário, um verdadeiro Frankenstein que coloca o Brasil como um dos cinco piores sistemas tributários do mundo. Tornou-se consenso entre empresários, economistas, advogados tributários e especialistas sobre impactos econômicos da tributação que o Brasil chegou até aqui com dois grandes blocos de tributos cheios de distorções. Um bloco é o dos tributos sobre renda, que a rigor não é dos piores – pelo contrário: o Imposto de Renda chega a ser simples e de fácil execução, até mesmo melhor que seu similar em muitos países desenvolvidos. O segundo bloco é a estrutura tributária sobre consumo; esta, sim, é um castelo eivado de deformidades gravíssimas.
Mesmo aceitando que é lógico um sistema que tribute, de um lado, a renda de pessoas físicas e pessoas jurídicas – caso do Imposto do Renda – e, de outro lado, tribute o consumo, as décadas de distorções e remendos produziram um monstrengo completamente insano sob qualquer ângulo analisado. Mas não se trata apenas de um castelo de distorções legais. A tributação sobre consumo no Brasil prejudica a economia, distorce a lógica tributária, torna impossível a funcionalidade, forma um emaranhado que ninguém consegue entender em sua amplitude e responde pelo gigantesco contencioso que entope o Poder Judiciário de processos e litígios entre contribuintes e governo, numa orgia jurídica absolutamente insana e interminável.
Não existe nada no mundo similar em normas e essência ao monstruoso sistema tributário brasileiro sobre consumo
Pode-se começar citando algo que qualquer iniciante em economia e tributação sabe ser um defeito grave: o fato de haver cinco tributos sobre o consumo, cada um com sua montanha de leis e regulamentos difíceis de conhecer e cumprir. A base de consumo é tributada por cinco tributos diferentes, de competência das três esferas federativas. No nível federal, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); nos estados, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); nos municípios, o Imposto sobre Serviços (ISS).
Não existe nada no mundo similar em normas e essência ao sistema tributário brasileiro sobre consumo. Cada ente federativo tem sua própria competência para legislar sobre normas específicas do imposto sobre o consumo. O país tem 26 estados, Distrito Federal e 5.570 municípios com competência para, além da União federal, legislar, cobrar e fiscalizar os tributos em sua alçada, fazendo que, além de todos os males já considerados, o custo financeiro do sistema tributário seja fator de desperdício, excessivo custo de obediência, insegurança jurídica e desestímulo à atividade econômica.
Chega a ser estranho como o Brasil conseguiu construir esse bloco de tributação sobre o consumo e com ele conviver tanto tempo, sem se dar conta da deformação que foi criada e piorada ano a ano com efeito de freio ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social. Trata-se de um caso quase único de deformação, cabendo perguntar como foi possível isso acontecer sem que nenhum governo tivesse interrompido o processo de distorções em alguma etapa da construção perversa. Vale lembrar que, sempre com apreço à tese de que a soma de dois erros dá um acerto, o governo e o sistema de leis brasileiros aprovaram determinados remendos na tentativa de aliviar distorções, a exemplo da concessão por entes subnacionais de benefícios fiscais para atrair investimentos, com agravamento da ineficiência na alocação de recursos e indução ao que passou a ser chamado de “guerra fiscal”.
A diferença de tributação entre entes federativos – especialmente estados e municípios – e a manutenção de diversos tributos sobre o consumo afastam investimentos estrangeiros no país em face da complexidade existente no manicômio de leis, normas e regulamentos específicos de cada ente tributador. Tudo isso ajudou a criar uma estrutura que trata de forma diferente a tributação sobre consumo de bens e a tributação sobre consumo de serviços, coisa estranha se comparada aos padrões existentes nas principais economias do mundo. A ideia teórica de tributar consumo não distingue se o ato de consumir se dá pelo uso de um bem material ou um serviço e, mesmo que houvesse alguma lógica na distinção entre ambos, ela não seria lógica se feita da forma e proporção como se faz no Brasil.
Em resumo, do ponto de vista teórico econômico e segundo a lógica tributária, a estrutura tributária brasileira atingiu um ponto de distorção e descontrole que alguma reforma que mitigue pelo menos um pouco o monstro, como as tentativas de unificação de impostos previstas nas PECs 45 e 110, precisa ser levada adiante. A sociedade tem o direito de pedir aos políticos que desmontem a arapuca que o setor estatal montou com a aprovação dos representantes do povo e que atingiu um ponto tão grave que ou se conserta (ainda que um pouco) o problema, ou o país chegará a um ponto de colapso tributário com sérias consequências em atraso econômico e baixo crescimento.
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