Afinal, o governo tem cacife político para seguir adiante com a reforma da Previdência? Na última segunda-feira, parecia que até Michel Temer tinha jogado a toalha. Em reunião com líderes dos partidos na Câmara dos Deputados, o presidente da República fez uma defesa enfática da necessidade da reforma, mas reconhecia que lhe faltavam os 308 votos necessários para sua aprovação – o que foi confirmado por diversos líderes presentes (inclusive o do PMDB, o partido de Temer) e pelo presidente da casa legislativa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Mas, a partir da terça-feira, auxiliares próximos do presidente tinham outro discurso, com o ministro Eliseu Padilha afirmando que o país não pode começar 2019 sem as mudanças na Previdência Social e que o governo manteria os esforços para votar o assunto ainda em 2017. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reconheceu a dificuldade, mas também manteve aceso o objetivo de aprovar a reforma até o fim deste ano. As reuniões com a base aliada foram intensificadas.
A batalha pela necessária reforma da Previdência já era difícil desde seu início, a começar pelas teses, repletas de criatividade contábil, que negavam a própria existência da bomba-relógio em que se transformou nosso sistema previdenciário, que ano após ano acumula déficits bilionários. Esses “negacionistas fiscais” preferem olhar para a Seguridade Social em vez da Previdência para alegar que não existe déficit nenhum, anulando a própria necessidade da reforma – a CPI recentemente encerrada no Senado deu força a este desvario.
Só valerá a pena votar a reforma da Previdência se o governo tiver certeza dos votos de que precisa
A negação do déficit previdenciário, no entanto, foi apenas parte de uma campanha de desinformação eficaz, comandada por partidos políticos, sindicatos, entidades estudantis e outros “movimentos sociais”, que conseguiram colocar a população contra as reformas com base em slogans tão simples quanto enganosos. Afinal, “acabar com a aposentadoria” e fazer o brasileiro “trabalhar até morrer” é o que vai ocorrer não se a reforma vier, como deseja o governo, mas se nada for feito, como desejam seus críticos: se a Previdência estiver totalmente quebrada, o aposentado do futuro não terá nem mesmo a garantia de um benefício, ou então receberá valores pífios, forçando-o a permanecer no mercado de trabalho.
Prova do sucesso da campanha contrária à reforma é a certeza de que, se a reforma não passar em 2017, será impossível aprová-la em 2018, já que nenhum deputado ou senador desejará se ver associado a medidas impopulares bem no momento em que precisa conquistar mais uma vez o eleitor. O Planalto já tem ouvido cobranças dos deputados que votaram a favor da reforma – ainda que em uma versão já desidratada, mantendo privilégios que perpetuam desigualdades – na comissão especial da Câmara, e que não querem carregar sozinhos o peso do desgaste. Outras cobranças vêm do fisiológico “centrão”, exigindo mais cargos, que seriam tomados do PSDB. “Ou muda ou não vota mais nada aqui”, ameaçou Arthur Lira, líder do PP, em entrevista à Folha de S.Paulo.
E pensar que tudo poderia ter sido bem mais fácil. Durante boa parte do primeiro semestre, o governo colecionou vitórias e parecia suficientemente forte para enfrentar a questão da Previdência. Mas o “furacão Joesley” mudou tudo em maio. As fraquezas morais de um presidente que, a despeito de sua louvável plataforma reformista, tem conversas nada republicanas em horários nada convenientes deram munição para um procurador-geral da República que elegeu um único objetivo, derrubar o presidente, em detrimento de todas as outras investigações em curso. Isso fez o governo torrar seu capital político para garantir a própria sobrevivência, processo que consumiu praticamente todo um semestre – coincidindo, ainda por cima, com as discussões da reforma político-eleitoral, que tinha de ser aprovada a tempo de valer para o pleito de 2018.
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Por tudo isso, a necessidade da reforma da Previdência ficou completamente desvinculada de sua viabilidade parlamentar. E só valerá a pena levá-la a plenário se houver certeza absoluta de que o governo tem os votos de que precisa, de preferência com certa folga para acomodar traições ou covardias de última hora. Uma derrota na Câmara seria o beijo da morte na reforma – a não ser que, em 2018, o eleitor leve a Brasília um Congresso e um presidente que sejam reformistas por convicção, não por conveniência.
Mas, se Temer desistir da reforma da Previdência, ele tem outro projeto quase pronto e que também é de extrema importância: a reforma tributária, que tem tudo para simplificar o caótico emaranhado em que o empreendedor e o consumidor brasileiros vivem afogados. Nosso sistema atual prejudica os mais pobres, tira competitividade do país e deixa brechas para o capitalismo de compadres. Esta é uma reforma mais consensual; se o governo souber explicá-la bem e conquistar o apoio popular, parlamentares-candidatos teriam todo o interesse em aprová-la. Sem dúvida, melhor seria ver ambas as reformas aprovadas, mas, se a da Previdência se tornar politicamente inviável, a tributária ao menos tem o poder de colaborar para a retomada na atividade econômica, com uma arrecadação mais racional. Eis uma estratégia que vale a pena considerar.
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