As operadoras de telefonia celular têm culpa, e muita. Mas o governo tem contribuído para piorar as coisas

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A Anatel, agência encarregada de regular o sistema telefônico brasileiro, decidiu intervir em três grandes operadoras do setor (TIM, Oi e Claro), proibindo-as de vender novas linhas – no Paraná, a punição à TIM começou a valer ontem. A causa da proibição são os conhecidos problemas apresentados e as elevadas taxas de reclamação dos usuários. Houve grande rebuliço, com idas e vindas dos principais executivos das operadoras até os escritórios da Anatel, apresentação de planos de melhoria e reformulação do sistema. O barulho foi grande e o prejuízo à imagem das empresas ainda não foi devidamente medido, mas sabe-se que foi de elevada monta.

Que os serviços oferecidos pelas telefônicas apresentam defeitos e infernizam a vida dos usuários é algo sabido e fora de dúvida. Entretanto, nem os defeitos do sistema nem a proibição da Anatel podem ser usados para embaçar os problemas e falhas com o sistema regulatório e com a burocracia que a tudo dificulta. Nesse episódio, sobram culpas para todos e é bom que a sociedade entenda que, a par de cobrar mais eficiência das operadoras, a mesma pressão deve ser dirigida à agência reguladora.

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Convém lembrar qual é o verdadeiro papel de uma agência reguladora e a forma como ela deve funcionar, coisa que, no Brasil, está mal esclarecida e desvirtuada. No caso de serviços públicos, ao governo cabe definir as leis e as regras de operação, e às empresas cabe produzir os serviços e satisfazer os consumidores, sempre que possível em regime de competição. Nas sociedades modernas, há muito tempo os consumidores e os usuários contam com alguma instituição que os defenda e fiscalize tanto o governo quanto as empresas, e esse é o principal papel das agências reguladoras.

O primeiro ponto de natureza conceitual é que a instituição encarregada de defender os consumidores e os usuários não é uma agência de governo pa ra defender o governo, mas uma agência da sociedade destinada a defender a população – inclusive, se for o caso, contra as trapalhadas do próprio governo. Para bem cumprir seu papel, a agência reguladora deve dispor de três requisitos: ter poder de fiscalizar e regular, ser independente do governo e contar com orçamento próprio e técnicos especializados. É por isso que as agências reguladoras, entre elas a Anatel (para as telecomunicações), a Aneel (para a energia) e a Anvisa (para os medicamentos), foram constituídas com estatuto próprio, independência funcional, dirigentes com mandato definido e receita própria.

Sempre que o consumidor paga sua conta telefônica, um valor é acrescido na fatura para formar o caixa da agência reguladora, de forma que ela não fique na dependência de mendigar recursos no Ministério da Fazenda. Aqui começam os problemas e as distorções. Primeiro, o presidente Lula iniciou a prática de intervir na formação da diretoria das agências, politizou a escolha dos executivos e passou a mandar nos trabalhos operacionais. Segundo, o governo, inclusive o atual, resolveu segurar os repasses dos recursos que os consumidores pagam às agências. Ou seja, embora as agências existam para defender o público e não o governo, Lula e Dilma se encarregaram de sufocar essas instituições, deixando de repassar os recursos que a elas pertencem.

Não que as operadoras não tenham culpa. Elas têm, e muita. Mas o governo tem contribuído para piorar as coisas. A Anatel reclama que está sem dinheiro e não tem um corpo técnico em tamanho e especialização necessários para regular e fiscalizar com eficiência o sistema telefônico nacional. Além disso, as operadoras reclamam que, para a instalação de antenas, precisam de torres; mas uma simples licença para isso leva de seis meses a um ano, algo inaceitável em um setor do tamanho da telefonia celular. A crise atual é uma boa oportunidade para que a sociedade cobre do governo e das operadoras a abertura da caixa-preta dos investimentos e das regras, a fim de saber qual o tamanho do problema e o cronograma de execução dos investimentos.

O mercado não é perfeito; são suas imperfeições que justificam as leis de regulação e a existência de agências capazes de defender os consumidores e os usuários. Mas a intervenção governamental também não é perfeita e, quando malfeita, pode piorar o mercado. Em larga medida é o que acontece no Brasil. Não raro, o governo e a burocracia estatal pioram o mercado, em geral sem que as autoridades assumam sua culpa no problema. É o caso da telefonia celular no Brasil. Com 256 milhões de linhas para uma população próxima de 193 milhões de habitantes, a incompetência da agência reguladora e a lentidão da burocracia do governo são dois males que só fazem agravar as deficiências das operadoras de telefonia.

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