Regulamentação do Fundeb ignorou a possibilidade de bancar escolas charter, parcerias com a sociedade civil, igrejas e entidades filantrópicas, ou vouchers.| Foto: Divulgação/Seed

Mesmo quando as intenções são as mais nobres, há maneiras de tentar concretizá-las que passam muito longe do ideal, desperdiçando boas ideias ou até se revelando contraproducentes. A recente batalha pela regulamentação da emenda constitucional do Fundeb é um exemplo, em que uma noção ultrapassada de indissociabilidade entre o público e o estatal acabará retirando oportunidades valiosas dos estudantes mais pobres.

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Em agosto, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 108, que tornou permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), criado em 2007 e que até então tinha duração temporária. Além disso, a emenda também aumentou a participação da União no fundo – dos atuais 10%, ela aumentará gradativamente até chegar a 23% em 2026 (tendo o efeito colateral de engessar ainda mais um orçamento federal já extremamente rígido). Faltava, no entanto, a regulamentação da emenda, que determinaria a maneira como o dinheiro do Fundeb deveria ser alocado.

O objetivo do investimento público na educação é proporcionar ensino de qualidade aos brasileiros, especialmente os mais pobres. A rede estatal é meio para atingir esse objetivo, e não um fim em si mesmo

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E, aqui, as possibilidades eram as mais variadas, caso o legislador assim o desejasse. Quem estivesse sinceramente convencido de que o objetivo do recurso público é proporcionar educação de qualidade aos brasileiros, especialmente os mais pobres, também chegaria à conclusão de que a rede estatal é meio para atingir esse objetivo, e não um fim em si mesmo. Parcerias com a rede privada – especialmente as escolas filantrópicas – para bancar o estudo de alunos carentes, vouchers educacionais para que as famílias pudessem escolher onde matricular os filhos, escolas charter, programas de bolsas... todas essas alternativas de financiamento da educação poderiam muito bem conviver lado a lado com os repasses à rede estatal de escolas, assim como já ocorre no ensino superior, com o ProUni. Ao se aprimorar a experiência nacional, somando-a às experiências estrangeiras, poderia ter ocorrido uma revolução no uso dos recursos públicos para a educação. Tudo em perfeito respeito à Constituição, aliás, que no artigo 213 permite o investimento público em escolas que não necessariamente pertençam ao Estado, cumpridas determinadas condições.

Mas, tanto na Câmara quanto no Senado, o corporativismo venceu mais uma vez. Na EC 108 propriamente dita, já havia a determinação de que 70% do Fundeb fosse destinado ao pagamento dos servidores ligados à educação, indicando o papel que o sistema estatal continuaria a exercer. E, na regulamentação, qualquer alternativa não estatal foi sumariamente descartada: a Câmara havia incluído o repasse de recursos do Fundeb também a escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas de ensino fundamental e médio, além do ensino profissionalizante do Sistema S, mas o Senado derrubou a medida. E os deputados, mesmo podendo dar a palavra final sobre o assunto, preferiram seguir os senadores e criticaram o que eles mesmos haviam aprovado dias antes. Como resultado, todo o dinheiro do Fundeb terá de ser destinado à rede estatal, mesmo que gestores estaduais ou municipais identifiquem, nos locais que governam, outros modelos educacionais que poderiam trazer mais qualidade de ensino aos estudantes.

Não é difícil identificar quem sai perdendo com esta associação rígida entre o público e o estatal. Não negamos que é preciso, sim, melhorar a rede de ensino gerida diretamente pelo Estado, e que o Fundeb é ferramenta importante para tal. Mas impedir que esse dinheiro seja usado de outras formas que proporcionem desde já uma educação melhor a tantas crianças e adolescentes é mantê-las presas a um sistema que, Ideb após Ideb, vem escancarando suas deficiências, com algumas poucas exceções. É fazer desse sistema um fim em si mesmo, abrindo mão da chance de usar os recursos do contribuinte de outras maneiras que sejam mais eficazes para atingir aquele que deveria ser o verdadeiro objetivo do investimento público em educação: o crescimento humano, ético e intelectual das crianças e adolescentes brasileiros.