O Poder Executivo federal tem sido incapaz de controlar seus gastos e está disposto a praticamente qualquer coisa para conseguir alguns caraminguás a mais. O Poder Legislativo tem vários de seus membros sob suspeita – incluindo um presidente da Câmara que possui contas bancárias na Suíça cujo saldo seria oriundo de supostas roubalheiras. O Projeto de Lei 2.960/15, sobre a regularização de recursos no exterior, aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 11 e que agora será apreciado pelo Senado Federal, está sendo visto como o resultado de uma união dos interesses da União e dos parlamentares.
Em linhas gerais, quem regularizar (ainda que não traga de volta para o país) recursos enviados para o exterior e que não tiveram a devida declaração às autoridades quando de sua saída terá de pagar 15% do valor a título de Imposto de Renda e outros 15% de multa – a porcentagem foi alterada pelos parlamentares, já que o governo, autor da proposta, tinha sugerido 17,5% tanto para o imposto quanto para a multa. A única exceção está no caso de valores abaixo de R$ 10 mil, sobre os quais não incidirá multa, apenas o IR.
Não são poucos os especialistas que têm apontado para a dificuldade de comprovar que a origem dos recursos tenha sido lícita desde o início
A principal polêmica que envolve o projeto de lei está na abrangência do seu artigo 5.º. Por mais que, segundo o caput do projeto de lei, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) se refira a “recursos, bens ou direitos de origem lícita”, o trabalho conjunto do Executivo e dos parlamentares fará a regularização livrar o dono do dinheiro de ser punido por crimes de sonegação, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, descaminho, sonegação de contribuição previdenciária, uso de identidade falsa para operação de câmbio, crime contra a ordem tributária, falsificação de documento público, falsificação de documento particular e falsidade ideológica.
Neste elenco estão misturados dois tipos de crimes. O primeiro tipo é o daqueles crimes que permitem ao perpetrador ter ou ampliar os recursos que depois serão enviados ao exterior (pensemos, por exemplo, na sonegação de contribuição previdenciária). O segundo tipo é o dos crimes diretamente envolvidos no processo de remeter o dinheiro para fora do país sem a devida declaração às autoridades (é o caso das fraudes em operações de câmbio). A pergunta que se coloca é: faz sentido livrar o dono dos recursos de punição penal por todos esses crimes, ou apenas por alguns deles?
Essa é uma escolha que outros países já fizeram. Tendo sido o prejudicado pelos crimes tributários, o governo tem, sim, a possibilidade de optar por não punir criminalmente os responsáveis se considerar que a reparação a ser paga por eles é suficiente para compensar o dano provocado anteriormente. E isso se aplica inclusive aos crimes daquela primeira categoria, aqueles que permitiram a acumulação dos recursos que depois seriam remetidos para fora do país sem conhecimento das autoridades. O governo, inclusive, já age dessa forma em relação a ilícitos tributários que não envolvam valores no exterior. Não nos parece que seja este o problema do projeto de lei.
Mesmo assim, é preocupante que a redação confusa do artigo 5.º permita interpretações que alarguem o escopo do perdão oferecido pelo RERCT, criando o que vem sendo apontado como brechas para que seja regularizado dinheiro proveniente de ilícitos que transcendam o campo meramente tributário. Não são poucos os especialistas que têm apontado para a dificuldade de comprovar que a origem dos recursos tenha sido lícita desde o início. A renda de outros crimes, como o tráfico, pode muito bem ter sido lavada antes de ser retirada do Brasil. Sem que o projeto de lei incorpore as devidas salvaguardas, a dificuldade de rastrear todo o caminho percorrido pelo dinheiro pode fazer do RERCT o “maior programa de lavagem de dinheiro patrocinado pelo Estado”, na definição do procurador Peterson de Paula Pereira, da Procuradoria-Geral da República, que assinou uma nota técnica contrária à aprovação do PL 2.960/15.
Por fim, ainda há um risco moral embutido. O RERCT, se aprovado, precisa ser um programa pontual e de duração limitada (o projeto de lei menciona um prazo de 210 dias). Repetir tal iniciativa no futuro seria um insulto ao brasileiro que não comete nenhuma irregularidade, às vezes pagando alíquotas de Imposto de Renda (descontado na fonte, aliás) bem maiores que os 15% que serão cobrados daqueles que driblaram o Fisco e o Banco Central na hora de enviar recursos ao exterior. Os cidadãos que se esforçam para seguir as regras e pagar corretamente seus impostos não podem se considerar em permanente desvantagem na comparação com outras pessoas que não tiveram a mesma preocupação.
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