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Editorial

O “relatório da censura” e um momento crucial para a liberdade de expressão

Relatório de subcomitê do Congresso americano expôs o alcance e a intensidade da censura a perfis em mídias sociais promovida pelo Judiciário brasileiro. (Foto: Marcio Antonio Campos com Midjourney)

Uma das duas promessas feitas pelo bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), no fim de semana em que passou a questionar publicamente o ministro Alexandre de Moraes, do STF e do TSE, está cumprida, ao menos parcialmente. As contas suspensas por ordem do ministro seguem indisponíveis aos usuários brasileiros que não empregam recursos como VPNs, mas agora o mundo todo tem acesso às ordens de Moraes consideradas arbitrárias. Atendendo a um pedido de um subcomitê do Comitê Judiciário da Câmara de Representantes do Congresso dos Estados Unidos, Musk entregou a papelada aos deputados, que a compilaram em um relatório de mais de 500 páginas divulgado na quarta-feira.

E, assim como já ocorrera em dois casos relevantes – o da investigação contra empresários por conversas privadas em um grupo de WhatsApp e o da suposta agressão a Moraes no aeroporto de Roma –, o fim do sigilo mostrou o tamanho do arbítrio. Os brasileiros já sabiam que inúmeras contas haviam sido bloqueadas; sabiam que uma suspensão total das contas não tem previsão legal no Marco Civil da Internet, que menciona apenas a remoção dos conteúdos específicos considerados ilícitos; sabiam que, além disso, esse tipo de medida equivale a uma censura prévia inconstitucional, pois impede a pessoa atingida de fazer até mesmo manifestações lícitas, cerceando sua liberdade de expressão. Agora, fica evidente também o surrealismo completo presente em inúmeras das ordens impostas não apenas ao Twitter, mas a outras mídias sociais.

Se o Brasil não aproveitar este momento para restaurar a normalidade democrática e o respeito pleno à liberdade de expressão, desperdiçará uma enorme oportunidade que talvez não volte a surgir no futuro próximo

É o caso, por exemplo, do ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese, que entrou na mira da Justiça por ironizar (na pior das hipóteses) um evento com ministros do Supremo nos Estados Unidos. Ou do antropólogo e colunista da Gazeta do Povo Flavio Gordon, que compartilhou um editorial do New York Times criticando o voto eletrônico sem comprovante impresso. Ou o do influenciador Monark, censurado por criticar a censura a outros brasileiros. Ainda que o STF argumente que os documentos tornados públicos são meros ofícios (o que explicaria o uso abundante do “copia e cola”), e que a fundamentação completa para as decisões esteja em peças ainda mantidas sob sigilo, é difícil crer que haja justificativa razoável para calar completamente brasileiros, privando-os da voz pública que um perfil em mídias sociais lhes concede.

Assim como também não há justificativa para o “afastamento excepcional de garantias individuais”, expressão usada por Moraes em algumas das decisões presentes no relatório norte-americano. Como lembrou no X o advogado André Marsiglia, professor de Direito Constitucional, “em uma democracia não se afastam garantias individuais. Elas podem ser harmonizadas com outros direitos, valendo-se para tanto de algum grau de restrição que não implique censura, afastadas jamais”. Curiosamente, “excepcional” foi o adjetivo usado em outras ocasiões por ministros do STF e do TSE para justificar medidas como censura a documentários. Não à toa se usa o termo “Estado de exceção” para designar um regime onde as garantias democráticas já não são devidamente respeitadas.

Não poucos brasileiros, de políticos a formadores de opinião, destacaram a ironia de ter sido necessária a intervenção decisiva do Legislativo de um outro país para se abrir um buraco no dique de segredo construído em torno das agressões judiciais à liberdade de expressão no Brasil. O espírito de iniciativa dos deputados norte-americanos contrasta com a inércia dos paralamentares brasileiros – não aqueles que têm ocupado as tribunas reais e virtuais todos os dias na denúncia do arbítrio, mas aqueles que, tendo o poder de fazer algo, lavam as mãos, como Arthur Lira, que, na qualidade de presidente da Câmara, poderia dar início à CPI do Abuso de Autoridade, que já cumpriu todos os requisitos constitucionais para sua instalação. Se o país não aproveitar este momento para restaurar a normalidade democrática e o respeito pleno à liberdade de expressão, desperdiçará uma enorme oportunidade que talvez não volte a surgir no futuro próximo.

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