Acabou a fase das promessas megalomaníacas e dos discursos feitos na medida para agradar aos eleitores e conquistá-los. A partir de primeiro de janeiro, o Brasil empossará o novo presidente, ou seja a presidente, a primeira mulher a ocupar o maior cargo público do país. Dilma Rousseff enfrentará grandes desafios, e o maior deles será ela mesma. As promessas foram tantas e tão grandes que será muito difícil cumprir tudo que ela prometeu. Caso a presidente Dilma deixe de corresponder às enormes expectativas geradas, ela não apenas decepcionará os eleitores, mas terá de enfrentar perda de popularidade e de confiança. Um governante que não dispõe da confiança do seu povo corre sérios riscos de perder a "governabilidade" e pode terminar seu mando de forma vexatória.
Porém os problemas de Dilma não derivam apenas das suas muitas promessas e das bravatas do seu padrinho, o presidente Lula; derivam também de algo que ela não pode e não poderá explicitar claramente: a herança recebida de Lula na questão das contas públicas. O atual governo cometeu três erros graves. Primeiro, a manipulação do cálculo do superávit fiscal primário. Segundo, a irresponsabilidade e a gastança com despesas que se tornarão permanentes, a exemplo de inchaço da máquina pública e dos reajustes ao funcionalismo. Terceiro, o descaso com a austeridade fiscal e com os investimentos em infraestrutura.
Um governo de oposição pode vir a público, explicar os problemas herdados e justificar medidas duras e impopulares. Entretanto, Dilma está presa e amarrada a Lula por uma dívida de gratidão e lealdade, já que o capital político dela é rigorosamente nenhum. Por pior que seja a situação das contas públicas, a presidente terá de se calar e, mais que isso, terá de rasgar elogios e agradecimentos constantes a Lula. Além disso, Dilma terá de fazer malabarismos políticos para se desvincular da imagem de satélite de Lula e de ser teleguiada por ele. Por tudo isso, não dá para esperar que a presidente venha confessar em alto e bom som que há problemas sérios na gestão das contas fiscais.
Uma atitude condenável em matéria de gestão financeira pública foi a manipulação repetida dos números e das fórmulas contábeis sobre o superávit primário. Esse conceito é peça-chave na definição da saúde financeira do governo, e seu saldo é obtido tomando-se as receitas, menos as despesas não financeiras, o que exclui o pagamento de juros. O governo vem destruindo o conceito de superávit primário há, pelo menos, cinco anos. Inicialmente, em 2005, excluiu da conta de gastos determinados investimentos constantes do PPI (Projeto Piloto de Investimentos). Em 2008, novamente certos investimentos e alguns gastos foram excluídos do cálculo do superávit. Em 2009, houve mais uma manobra pela qual o governo passou a emprestar dinheiro para o BNDES para que esse comprasse créditos a receber do Tesouro Nacional e lançasse o valor como receita primária do Tesouro Nacional. Mais recentemente, a Lei de Diretrizes Orçamentárias incluiu autorização para tirar da conta de apuração do superávit perto de R$ 32 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Não satisfeito com tantas manobras contábeis, o governo resolveu desferir mais um duro golpe no conceito de superávit primário, usando a capitalização da Petrobras em uma operação complexa para inchar o superávit em R$ 31,9 bilhões. Essas artimanhas podem ser comparadas a uma família que está gastando mais do que ganha, decide não cortar qualquer despesa e passa a excluir a conta do telefone do cálculo do seu déficit mensal. Ou seja, o fluxo de caixa final é o mesmo, mas o mapa contábil mostra um saldo melhor. Trata-se apenas de uma mágica sem valor e sem consistência técnica. O mercado e os agentes econômicos não são ingênuos nem podem ser manipulados. As consequências de tais práticas, além de representarem redução da ética governamental, podem vir em forma de juros altos e mais inflação.
O figurino adotado por Lula para o modelo econômico foi uma sequência do modelo implantado por Fernando Henrique Cardoso e é baseado no tripé: superávit fiscal primário, metas de inflação e câmbio flutuante. Esse modelo foi responsável, em grande parte, pelo bom desempenho da economia brasileira e deverá ser seguido pelo governo Dilma Rousseff. O problema é que Lula desmontou uma das penas desse tripé, ao jogar na lata do lixo o conceito de superávit primário, o qual terá de ser remontado por Dilma. Portanto, é o caso de perguntar: e agora Sra. Presidente?
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