Nesta sexta-feira, dia 28, termina o prazo que o presidente Jair Bolsonaro deu ao ministro da Economia, Paulo Guedes, para que apresentasse uma proposta para o Renda Brasil, programa de transferência de renda que se tornaria o substituto do Bolsa Família. Bolsonaro quer que o valor fique em R$ 300, e a ideia inicial de Guedes consistia em acabar com alguns outros benefícios, como o seguro-defeso e o abono salarial. O presidente rechaçou essa hipótese, afirmando na quarta-feira que “não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos” – a crítica pública ao ministro causou mal-estar nos mercados, preocupados com um possível flerte do governo com a irresponsabilidade fiscal, e chegou a haver boatos de que Guedes estaria para pedir demissão.
A matemática é bem simples: o Bolsa Família custa, hoje, R$ 30 bilhões, enquanto o Renda Brasil custaria R$ 50 bilhões, considerando o valor do benefício que Bolsonaro está disposto a pagar e o número de beneficiários estimado, que pode aumentar em até 50% na comparação com o Bolsa Família. Para permanecer dentro de todas as regras orçamentárias, alguma despesa terá de ser cortada para fechar a diferença de R$ 20 bilhões. O fim das deduções com gastos em saúde e educação no Imposto de Renda Pessoa Física, outra ideia que Guedes vem defendendo, colocaria R$ 22 bilhões a mais por ano nos cofres do governo, mas isso não resolve o problema. A questão é o respeito ao teto de gastos: ainda que a receita aumente de forma considerável, o governo não pode simplesmente torrá-la com novas despesas se o gasto total romper o teto.
Programas de transferência de renda têm nítida inspiração liberal, mas precisam ser concretizados dentro de uma política de responsabilidade fiscal
Em resumo, se Bolsonaro quiser o Renda Brasil como planejou, terá de aceitar um corte em outras despesas ou benefícios. Guedes já prometeu que apresentará uma outra opção que respeita as regras de responsabilidade fiscal. “Está tudo equacionado. Não tem truque e nem fura-teto. Tudo será feito com total transparência”, afirmou ele à jornalista Cristiana Lôbo.
Há, é claro, uma outra opção: contornar, burlar ou tentar abolir as restrições a gastos maiores para fazer encaixar o Renda Brasil no orçamento sem cortar outros gastos. Este é o caminho certo para um desastre talvez maior que aquele do qual o Brasil se recuperava lentamente antes da pandemia. É preciso lembrar que a catástrofe lulopetista teve suas raízes plantadas ainda no momento de bonança causada pela enorme demanda por commodities. Bolsonaro não tem essa vantagem: se quisesse partir para o populismo fiscal, já teria como ponto de partida uma economia extremamente fragilizada. Sem credibilidade nenhuma diante do mercado, o Brasil experimentaria uma queda imediata. Seria um erro grosseiro até mesmo do ponto de vista eleitoral, pois o país chegaria a 2022 em frangalhos por culpa única das decisões populistas de um presidente em busca da reeleição.
Como lembrou na quinta-feira o colunista Fernando Schüler, responsabilidade fiscal é de fundamental interesse para os mais pobres, ainda que muitos deles jamais se deem conta disso. Uma economia arrumada garante estabilidade, mantém a inflação e os juros baixos, barateia e facilita o crédito, amplia a capacidade de investimento público. Escolher o populismo que dá resultados imediatistas é oferecer um alívio de curtíssima duração enquanto se lança as raízes de crises duradouras.
Em 2014, Dilma Rousseff usou maquiagem contábil, segurou artificialmente os preços dos combustíveis e usou uma série de outros truques para esconder a crise que a Nova Matriz Econômica petista estava criando. Conseguiu a reeleição, mas passou para a história como a responsável pela maior recessão da história do país. Ao lado das falcatruas expostas ao país pela Operação Lava Jato, o caos econômico criou o caldo de descontentamento com o petismo que abriu espaço para a ascensão de Bolsonaro. O mau exemplo da antecessora é muito recente para que o presidente o ignore.
Programas de transferência de renda como o Bolsa Família e o futuro Renda Brasil têm nítida inspiração liberal; não seriam, portanto, nenhuma traição ao ideário que fez parte do pacote eleitoral de Bolsonaro em 2018. Mas precisam ser concretizados dentro de uma política de responsabilidade fiscal e respeito a regras como o teto de gastos, que marcou o início de um ciclo virtuoso de reformas ainda em curso. Em sua live na noite de quinta-feira, dia 27, Bolsonaro falou brevemente do Renda Brasil e se comprometeu com o respeito ao ajuste fiscal; que não fique só na promessa.