Governadores inclinados a imitar o presidente Lula na farra do gasto público sem fim, ou que receberam uma “herança maldita” de antecessores com este mau hábito, receberam um belo presente do Senado. Na semana passada, a casa aprovou por 70 votos a 2 um projeto de renegociação de dívidas que conseguiu a proeza de ser ainda mais leniente com a irresponsabilidade fiscal na comparação com o texto original, que já era um prêmio aos perdulários. O nome Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), como ficou chamada a iniciativa que agora vai para a Câmara, é bastante irônico, já que a última coisa que prevê é um “pleno pagamento”, tamanha a camaradagem com os estados endividados.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, já tinha incluído na proposta inicial um mecanismo para permitir que a dívida dos estados fosse corrigida apenas pelo IPCA, quando hoje a correção é feita pela inflação mais 4 pontos porcentuais. Para zerar o adicional, os estados poderão se comprometer a investir em determinados setores aquele dinheiro que seria pago a título de juros, ou entregar empresas estaduais à União, federalizando-as – até o momento, a “joia da coroa” desta ideia é a Cemig, empresa de energia de Minas Gerais. Outra parte deste adicional de 4 pontos porcentuais seria destinado a um fundo de equalização destinado a ajudar estados menos endividados, como forma de “compensá-los” pela enorme camaradagem concedida às unidades da Federação mais encrencadas.
O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados tem um nome bastante irônico, já que a última coisa que prevê é um “pleno pagamento”, tamanha a camaradagem com os estados endividados
Os limites à despesa impostos pelo projeto são ainda mais generosos que aqueles aos quais o governo federal precisa se submeter – e que já são bastante frouxos. Não contam para o limite, por exemplo, despesas com saúde e educação. Além disso, como a conta só começa a valer em 2025 tendo como base os gastos de 2024, os governadores ganham sinal verde para aproveitar este segundo semestre sem nenhum tipo de teto na despesa; e, quanto mais gastarem agora, mais poderão gastar a partir do ano que vem. Um incentivo evidente à irresponsabilidade.
Ganham os estados perdulários, e ganha o relator Davi Alcolumbre, que corre atrás de apoio para voltar à presidência do Senado ano que vem. Perde o Ministério da Fazenda, praticamente escanteado nas discussões. Mas, ao contrário de outras situações em que uma derrota do governo é uma vitória do Brasil, é preciso ponderar que é muito improvável que o governo simplesmente abra mão de dezenas de bilhões de reais que deveriam vir dos bolsos de quem deve, não nega, paga quando puder; são grandes as chances de Fernando Haddad e sua equipe econômica buscarem esse dinheiro por outros meios, esfolando ainda mais os cidadãos e empresas.
Além disso, os estados ganham a oportunidade de se livrar de empresas encrencadas simplesmente empurrando-as para o governo federal, em vez de privatizá-las. Lula já demonstrou que seu único interesse é aumentar seu portfólio e inchar o Estado empresário, pouco importando a situação financeira de uma estatal – aí estão, para comprovar, todas as “retomadas” de empresas e obras que já se mostraram verdadeiros sorvedouros de dinheiro público no passado. Que o brasileiro não se iluda a esse respeito, pois também será chamado a compensar os prejuízos dessas empresas.
Um programa de renegociação que premia o gasto e exige muito pouco dos devedores é certeza da repetição de todos os programas anteriores, que sempre terminaram em calote e compromissos descumpridos. Se Milton Friedman um dia disse que “nada é tão permanente quanto um programa temporário do governo”, o Propag inverte essa lógica: descrito por Pacheco como a “solução definitiva” para o problema das dívidas dos estados, ele tem tudo para durar pouco, e logo os governadores estarão em Brasília novamente atrás de outra renegociação.