O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acredita ter em mãos a solução definitiva para um problema que se arrasta há muitos anos: a renegociação das dívidas estaduais com a União – algumas delas na casa das centenas de bilhões de reais. Na terça-feira, Pacheco apresentou detalhes do plano que consta de um projeto de lei complementar, protocolado no mesmo dia; no entanto, a julgar pelas linhas gerais do texto, o mais provável é que a dita “solução definitiva” tenha o mesmo fim de todos os outros planos de renegociação já propostos, aprovados e implantados: empurrar o problema para a frente e seguir incentivando a irresponsabilidade de governadores Brasil afora.
A prática corrente, quando se trata desse tipo de renegociação, sempre foi a concessão inicial de um benefício por parte do governo federal – seja uma redução de juros, seja a suspensão temporária dos pagamentos –, e só depois vinha a execução das contrapartidas previstas, isso quando os governadores de fato faziam algo, em vez de simplesmente adiar indefinidamente a entrega de sua parte no acordo. Ficou célebre o caso do Rio de Janeiro, que aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal em 2017 com a promessa de privatizar a Cedae, sua companhia de água e saneamento; a companhia só foi vendida quatro anos e dois governadores depois – e ainda assim a União ficou sem ver a cor do dinheiro previsto. O STF contribuiu para incentivar a irresponsabilidade quando impediu que o governo federal bloqueasse repasses dos fundos de participação dos estados e dos municípios (FPE e FPM) para recuperar os calotes recebidos.
Austeridade fiscal, privatizações, controle de gastos com funcionalismo, reforma de previdências estaduais, absolutamente nada disso está sendo exigido dos governos estaduais
O plano de Pacheco – que aproveita boa parte de uma proposta inicial acertada entre governadores e Planalto em março – não é muito diferente. As dívidas serão renegociadas em até 30 anos com dois eixos principais. O primeiro está relacionado ao indexador de correção da dívida, que atualmente é o IPCA mais 4 pontos porcentuais. Desse adicional, até 1 ponto porcentual, em vez de ser pago à União, poderá ser reinvestido no próprio estado, nas áreas de educação e ensino profissionalizante, infraestrutura ou segurança pública. Pacheco até ressaltou que esse dinheiro só pode ser usado em investimentos, não em custeio; mas resta saber se o presidente do Senado e os governadores vão usar o conceito do presidente Lula, que adora justificar sua gastança chamando tudo de “investimento” – até mesmo o reajuste ao funcionalismo já foi assim classificado por ele, em maio deste ano.
O segundo eixo da proposta de Pacheco é o abatimento do principal da dívida – e também de mais uma parte daquele adicional de 4% nos juros – caso os governadores entreguem à União ativos que podem ser tanto créditos judiciais ou inscritos em dívida ativa quanto empresas estatais ou participações que seriam “federalizadas”. Este é, sem dúvida, o trecho que deixa Lula e demais petistas salivando. Eles, que ainda hoje choram privatizações realizadas há mais de 25 anos, adorariam inflar o portfólio do Estado-empresário e ter mais cargos para entregar a apadrinhados e aliados – aqueles, claro, que não se encaixarem nas vedações da Lei das Estatais, que o STF manteve, para desgosto do governo.
E assim termina a lista de contrapartidas que a União poderá pedir aos estados – o governo federal até gostaria de medidas ligeiramente mais severas e poderá sugeri-las durante a tramitação do projeto de lei complementar, mas nada que atrapalhe demais a vida dos governadores. Austeridade fiscal, privatizações, controle de gastos com funcionalismo, reforma de previdências estaduais, absolutamente nada disso deve ser exigido dos governos estaduais. O próprio Rodrigo Pacheco, que mira o governo de Minas Gerais em 2026 – e, se tiver sucesso, herdará uma das maiores dívidas entre os estados brasileiros –, já criticou os planos de austeridade do atual governador, Romeu Zema, preferindo entregar nas mãos de Lula a Cemig, a companhia de energia do estado.
Sem reformas estruturantes que contenham a espiral de gastos, em breve os governadores estarão todos levando o pires novamente a Brasília, demonstrando que a solução “definitiva” de Pacheco tem tudo para terminar da mesma forma que planos anteriores. Será mais uma ocasião de lamentar a destruição do Plano Mansueto, sugerido em 2019 pelo então secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e que exigia primeiro a adoção de medidas firmes de controle de despesas nos estados para só depois alterar as condições de pagamento das dívidas. Aquela, sim, teria sido uma grande oportunidade de corrigir o vício da gastança na esfera estadual; agora, com os gastadores no poder em Brasília, seria ingênuo supor que os estados seriam pressionados a fazer o que a União vê com ojeriza.