A equipe econômica perdeu mais um defensor ferrenho das privatizações. Wilson Ferreira Junior está deixando a presidência da Eletrobrás, cargo para o qual foi nomeado ainda no governo de Michel Temer e que ocupará até 5 de março. Depois, o executivo deve assumir a BR Distribuidora, enquanto o seu sucessor na Eletrobrás será escolhido por meio de uma empresa especializada – e já existe briga entre a ala do governo que deseja mais um militar (representada pelo almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia) e a equipe econômica, que procura um substituto com o mesmo perfil de Ferreira Junior.
O anúncio da saída de Ferreira Junior derrubou o valor de mercado da estatal nas bolsas norte-americana e brasileira, mesmo com todas as falas a respeito da necessidade de privatizar logo a Eletrobrás. “Com a capitalização, a Eletrobrás se tornará uma corporação brasileira de classe mundial, com capital pulverizado, focada em geração, comercialização e transmissão de energia elétrica, tornando-se uma das maiores empresas de geração renovável do mundo”, afirmou o Ministério das Minas e Energia em nota. “Pretendemos acelerar os leilões de concessões e privatizações, em especial no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos, o PPI, que tem um carteira de projetos estratégicos de longo prazo, baixo risco e com taxas de retornos atraentes e estáveis”, acrescentou o presidente Jair Bolsonaro.
Tanto o mercado quanto a sociedade concluíram que promessas, boas intenções e notas de apoio já não bastam; é preciso haver ação concreta
Mas, ao contrário do adágio latino verba volant, scripta manent (“as palavras voam, o escrito permanece”), no caso das privatizações nem mesmo o escrito serve para convencer o mercado, a julgar pela reação nula das bolsas a notas como a do Ministério de Minas e Energia. A essa altura, só existe um tipo de texto que demonstraria compromisso com o enxugamento do Estado: um projeto de lei bem escrito, devidamente relatado, aprovado pelo Congresso, transformado em lei e sancionado pelo presidente da República. E isso Brasília tem sido incapaz de entregar: Ferreira Junior afirmou em entrevista coletiva que estava frustrado com a incerteza sobre a privatização, mesmo sentimento invocado por Salim Mattar quando ele se demitiu da Secretaria Especial de Desestatização, deixando muito claro que havia muitas forças contrárias às privatizações na capital federal.
Mesmo antes de o STF dificultar ainda mais as privatizações com uma decisão bastante controversa, a venda da Eletrobrás já dependia do aval do Congresso. Em janeiro de 2018, Michel Temer enviou ao Legislativo um projeto de lei, que não andou. Bolsonaro preferiu refazer o texto, e o novo projeto foi remetido ao Congresso em novembro de 2019, prevendo uma capitalização que deixaria o governo com 40% das ações, perdendo o controle acionário. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu o texto e o engavetou: o PL 5.877/2019 não foi para nenhuma comissão, não tem relator, enfim, é como se não existisse.
Um dos candidatos à presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-PE), que tem o apoio do Planalto, prometeu dar andamento ao projeto, mas o favorito de Bolsonaro para comandar o Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deu declarações no sentido oposto. “O foco agora há de ser a preservação da saúde pública, um programa social e o crescimento econômico a partir das reformas que sejam necessárias no sistema tributário, a administrativa, as privatizações, não essa da Eletrobrás, mas de um modo geral diminuir o tamanho do Estado empresário”, disse ao jornal O Estado de S.Paulo dias antes de Ferreira Junior anunciar sua demissão – a entrevista é, inclusive, apontada por pessoas próximas ao executivo como o gatilho para sua decisão.
Tanto o mercado quanto a sociedade concluíram que promessas, boas intenções e notas de apoio já não bastam: elas são suficientes para preencher longas antologias, que contrastam com a ausência de resultado concreto, seja para várias das reformas, seja para as privatizações. O momento pede ação, e não apenas no caso da Eletrobrás. O Executivo – e, especialmente, o presidente Jair Bolsonaro – tem de demonstrar iniciativa e empenho, enviando ao Congresso os projetos de lei para as privatizações e articulando para que tramitem e sejam aprovados. E o Legislativo tem de demonstrar responsabilidade, impedindo que prevaleçam tanto a ala ideológica estatizante quanto a ala fisiológica que enxerga estatais como cabide de emprego de apadrinhados.