A ala econômica do governo prevaleceu sobre a área política e, a partir desta quarta-feira, 1º de março, voltará a haver cobrança de tributos federais (Cide, PIS e Cofins) sobre a gasolina e o etanol, revertendo uma medida aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2022. À época, a desoneração atingia todos os combustíveis e valeria até 31 de dezembro do ano passado; ao tomar posse, Lula prorrogou a isenção por um ano para o diesel e o gás de cozinha, mas no caso da gasolina e do etanol a prorrogação seria de dois meses, prazo que termina agora. Enquanto líderes petistas temiam a repercussão negativa e o efeito inflacionário da reoneração, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alegou que ela era necessária para equilibrar as contas do governo, saindo vencedor desta vez, após a derrota no início de janeiro.
O retorno da cobrança não é exatamente uma surpresa – ela constava do plano de redução do déficit divulgado por Haddad ainda na primeira quinzena de janeiro –, e há argumentos razoáveis dos dois lados do debate. A afirmação de que a gasolina é produto “de classe média e alta” que pode ser reonerado sem punir o mais pobre é ilusória. Haverá, sim, efeitos sobre a inflação, e os próprios petistas reconhecem isso, ainda que as consequências sejam menores que as causadas por uma eventual tributação do diesel (que teria impacto direto sobre o frete rodoviário e o transporte público): a gasolina, individualmente, é o item de maior peso no cálculo do IPCA, e há serviços cujo prestador se desloca em veículos movidos não a diesel, mas a gasolina. Além disso, o automóvel é item ao qual também a classe média-baixa tem tido acesso. Por outro lado, do ponto de vista puramente fiscal, abrir mão da cobrança mais uma vez passaria uma mensagem ainda pior em termos do pouco de responsabilidade fiscal que ainda se pode atribuir ao governo Lula, pois significaria um descumprimento do que estava planejado desde o começo do ano.
Temos um governo que, em vez de ajuste fiscal, prioriza a elevação do gasto público e busca desesperadamente o dinheiro para financiá-lo; que ainda não apresentou seu projeto de âncora fiscal; e que está prestes a retomar políticas intervencionistas em sua maior estatal
O problema maior não é a reoneração em si, mas o fato de que o governo não tem um plano consistente para recuperar a saúde fiscal brasileira. “Consistente” é o termo que faz a diferença aqui; plano até existe, mas um que se apoia pesadamente em aumento da arrecadação, e não em controle de despesas – pelo contrário: Lula, ao buscar avidamente a aprovação da PEC fura-teto ainda antes de assumir a Presidência, deixou evidente que sua política econômica nada terá de austera: trata-se de elevar a despesa pública, e caçar os meios para bancar a gastança. Em outras palavras, Lula e Haddad se colocaram na posição de “não poder” abrir mão desses quase R$ 30 bilhões que virão na forma de impostos sobre a gasolina e o etanol, já que fizeram uma escolha equivocada desde o início. Tampouco parecem ter se esforçado para encontrar formas de conseguir o mesmo valor por outros meios, que não afetassem a população de forma tão direta.
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E, para piorar, a única alternativa que o governo parece enxergar para reduzir esse impacto é a possível retomada do intervencionismo na Petrobras. Lula e o PT têm ojeriza à política de preços da estatal, alinhada com as cotações internacionais do petróleo, e não escondem o desejo de substituí-la. O presidente da estatal, Jean-Paul Prates, participou da reunião em que se definiu a reoneração, e há a possibilidade de a Petrobras “queimar” parte do seu lucro reduzindo seus preços, mitigando com isso o aumento previsto na bomba – a alteração na política de preços era condição desejada pela ala política do governo para apoiar a volta da tributação sobre os combustíveis. Se isso ocorrer, seria um primeiro passo para que a Petrobras volte a ser usada como ferramenta de populismo político, uma estratégia que o petismo já empregou, especialmente durante o governo Dilma Rousseff, com resultados desastrosos.
O que temos, portanto, é um governo que, em vez de ajuste fiscal, prioriza a elevação do gasto público e busca desesperadamente o dinheiro para financiá-lo; que ainda não apresentou seu projeto de âncora fiscal; e que está prestes a retomar políticas intervencionistas em sua maior estatal – se isso não ocorrer agora, certamente voltará a ser considerado mais à frente. Uma receita bastante perigosa, que já levou o Brasil à crise, mas que, ao ser repetida, dá a impressão de que o petismo simplesmente não conhece outro caminho.