A sociedade paranaense voltou a debater com afinco a remuneração de seus magistrados e membros do Ministério Público, provocada que foi pela regulamentação recente do auxílio-moradia para essas categorias. No entanto, seria sadio que os paranaenses voltassem também o seu olhar não só sobre esses adicionais, mas sobre o próprio vencimento nominal daqueles que ingressam nessas carreiras. Trata-se de uma reflexão sobre a adequação entre a remuneração dos jovens juízes e promotores e a realidade brasileira – e nos parece que elas estão, no momento, bastante descoladas.

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O salário inicial de um juiz ou promotor recém-aprovado em concurso é, hoje, de R$ 21,7 mil. Isso significa que, com 25 anos, um jovem que terminou a faculdade de Direito e exerceu a profissão por três anos é catapultado a um mundo muito exclusivo. O juiz e promotor iniciantes não se tornam simplesmente membros da "classe alta": eles passam a fazer parte de um grupo absurdamente restrito, o "topo do topo" da pirâmide social. Segundo os dados mais recentes da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, em dezembro de 2012 apenas 211 mil brasileiros formalmente empregados (ou 0,1% da população) receberam salário acima de R$ 20 mil. E é preciso indagar quanto essas mesmas pessoas precisaram trabalhar até chegar a esse patamar -- pois o normal é que um salário como esse seja alcançado apenas depois de muitos anos de carreira. Mais que as estatísticas do mundo do trabalho, é o próprio senso comum que indica que algo não está bem.

Juízes e promotores precisam estar minimamente conectados com a sociedade cujas demandas são seu objeto de trabalho. Desejamos, é claro, que todos sejam bem remunerados. Mas um salário muito alto para um jovem em início de carreira traz embutido o risco da criação de uma mentalidade de elite na qual tudo vem (e, até pior, na qual tudo deve vir) muito facilmente, sem o esforço que costuma estar associado ao nível de vida de quem tem uma boa remuneração. Além disso, criam-se expectativas irreais de progressão salarial que o sistema não terá como cumprir, já que o teto do Judiciário e do MP paranaenses é apenas 22,6% maior que o piso. É no terreno dessa frustração que se lançam as sementes de penduricalhos como o auxílio-moradia, transformados em maneira de incrementar um salário máximo que não pode ser ampliado por outros meios.

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Esse salário inicial não é alto apenas na comparação com a média da sociedade brasileira. Analisemos, por exemplo, a remuneração de juízes no exterior. Comparemos a remuneração de um juiz iniciante com um par que busque a mesma carreira no Judiciário estadual norte-americano. Na Califórnia, um dos estados que melhor remunera seus juízes (e que também tem um dos custos de vida mais altos do país), um magistrado iniciante ganha entre US$ 66 mil (cerca de R$ 145 mil) e US$ 100 mil (cerca de R$ 220 mil) por ano. Na outra ponta, o estado do Mississippi paga a seus juízes iniciantes entre US$ 36,5 mil (cerca de R$ 80,3 mil) e US$ 55 mil (cerca de R$ 121 mil) anuais. Com os R$ 21,7 mil mensais, o juiz brasileiro ganhará, por ano, quase R$ 290 mil. Para se ter a dimensão correta desses ganhos, mesmo o juiz iniciante californiano com o maior salário ganhará o equivalente a pouco menos que o dobro da renda média per capita do norte-americano, medida pelo Banco Mundial pelo critério da paridade do poder de compra. Já o juiz brasileiro receberá 8,8 vezes a renda per capita média de seus compatriotas.

Nem sempre foi assim. Em 2009, um juiz substituto recém-aprovado em concurso no Paraná recebia R$ 14,5 mil – o que, mesmo assim, já era um salário bem acima da média da sociedade. Por mais que, à época, se alegasse que, descontados os impostos, sobravam pouco mais de R$ 8 mil mensais, ainda assim tratava-se de um salário muito maior que qualquer valor a que um recém-ingressado em qualquer carreira poderia (e pode) aspirar.

Não pretendemos, com isso, desvalorizar a carreira de magistrados e promotores. Estamos convictos de que eles precisam receber um salário à altura de sua missão. Mas não podemos negar que essa remuneração inicial está muito acima do que se compreende como "ganhar bem", com todas as consequências que acabamos de mencionar. Sabemos que se trata de uma ideia que pode não ser bem recebida, especialmente entre aqueles que tanto se esforçam para ingressar na magistratura ou no MP por meio de concursos. A aspiração a boas remunerações é legítima, mas não é sadio que o preço para cumpri-la seja uma dissociação completa entre o salário de um agente público e o da sociedade à qual ele serve.

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