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Editorial

O coronavírus e o retorno dos brasileiros na China

Militares da FAB que integram a missão de resgate de brasileiros em Wuhan.
Militares e médios decolaram na quarta-feira (5) com destino à China, para resgatar brasileiros presos em Wuhan devido à epidemia de coronavírus. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

No início da tarde desta quarta-feira, duas aeronaves Embraer 190 VC-2 da Força Aérea Brasileira com militares e médicos decolaram com destino a Wuhan, na China, o epicentro da epidemia de coronavírus, para resgatar dezenas de brasileiros que ficaram presos na cidade devido às restrições ao deslocamento interno impostas pelo governo chinês logo que a doença começou a se espalhar. A ação representa uma feliz reversão na posição brasileira, depois que o presidente Jair Bolsonaro havia dito, no fim de janeiro, que “não seria oportuno” repatriar os brasileiros, ao contrário do que haviam feito várias nações, como Estados Unidos, Japão, França, Reino Unido e Alemanha.

Na ocasião, Bolsonaro explicou que havia um empecilho legal para a operação de resgate: o país não tinha uma legislação com critérios claros para esses casos, que exigem o isolamento das pessoas até que haja a certeza de que elas não têm o vírus. Apesar da gravidade de crises epidemiológicas provocadas por doenças novas como o coronavírus, a Sars ou outros males de fácil transmissão, por décadas os legisladores não se preocuparam em estabelecer protocolos exatos a seguir, neste país onde as crises de saúde pública são muitas vezes carregadas por mosquitos que carregam doenças outrora erradicadas, mas que retornaram graças ao descaso generalizado.

Felizmente, o Brasil não deixou seus cidadãos abandonados à própria sorte em Wuhan

Com a repercussão do caso dos brasileiros, que enviaram uma carta e gravaram um vídeo endereçado ao presidente, Bolsonaro mudou de ideia e o governo enviou um projeto de lei ao Congresso – aliás, dadas as características do caso, até mesmo uma medida provisória seria adequada. O Ministério da Saúde chegou a falar que repatriaria os brasileiros em Wuhan mesmo sem a aprovação do texto, usando dispositivos de outras leis sobre fiscalização sanitária, mas o Congresso agiu com a presteza necessária na retomada dos trabalhos legislativos: a Câmara aprovou o projeto na terça-feira, dia 4, e o Senado fez o mesmo na quarta-feira, dia 5. Com isso, ficam estabelecidas medidas específicas a serem aplicadas aos brasileiros que retornarem da China e que ficarão isolados em uma base militar em Anápolis (GO), bem como várias outras regras sanitárias para evitar a entrada ou a disseminação da doença no Brasil.

O texto, no entanto, trata especificamente da emergência provocada pelo coronavírus – se outro surto semelhante ocorrer no futuro, envolvendo uma nova doença, seria necessário aprovar mais um projeto de lei para lidar com a situação. Por isso, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que deve enviar ao Congresso na próxima semana um novo projeto de lei que estabeleça um protocolo mais amplo para ser aplicado a quaisquer outras situações semelhantes, especialmente aquelas que forem oficialmente classificadas como “emergência de saúde pública” pelo governo, ou em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declare emergência internacional. Isso permitirá uma resposta mais rápida e que, ao mesmo tempo, evite os riscos inerentes a esse tipo de operação, e que não se limitam às pessoas retiradas da área de maior contágio.

Felizmente, o Brasil não deixou seus cidadãos abandonados à própria sorte em Wuhan. Executivo e Legislativo trabalharam rapidamente para resolver a questão legal que dificultava o resgate, e o país negociou com outras nações para superar dificuldades logísticas, dada a impossibilidade de um voo direto entre Brasil e China – o governo israelense aceitou receber a escala das aeronaves brasileiras, mas o plano de voo divulgado pelo governo mostra escalas na Polônia e nas Ilhas Canárias (Espanha). O episódio, no entanto, mostrou que o país carecia de uma legislação adequada para lidar com tais casos. A lacuna ficou preenchida no caso do coronavírus, mas a possibilidade de novas doenças no futuro, somada à mobilidade global cada vez maior, pede o estabelecimento de um protocolo que possa ser ativado logo que apareçam novos surtos.

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