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editorial

Ressarcimento impróprio

Que urgência há nesta matéria a ponto de a verba de ressarcimento dos vereadores merecer tamanha pressa em ser colocada em votação, em detrimento de outras mais importantes?

Impedida na semana passada pelo Tribunal de Contas de instituir o pagamento do 13.º salário para seus vereadores, a Câmara Municipal de Curitiba não perdeu tempo: imediatamente, procurou um meio para "compensar" a perda e se prepara para criar uma "verba de ressarcimento" para cobrir despesas supostamente necessárias para o cumprimento dos mandatos parlamentares.

A proposta seria votada na sessão de ontem, mas a repercussão negativa perante a opinião pública e a resistência imposta por alguns vereadores mais sensatos obrigaram o presidente da Casa, Paulo Salamuni, a retirá-la de pauta – apesar da insistência do majoritário grupo de defensores do privilégio, a proposta deve voltar a ser analisada apenas em 2014.

A estranheza começa exatamente por aí: que urgência há nesta matéria a ponto de merecer tamanha pressa em ser colocada em votação, em detrimento de outras certamente mais importantes para o interesse público? E exatamente no encerramento do período legislativo – época assaz propícia para que o assunto passe despercebido pela população, mais preocupada com os preparativos das festas natalinas e de ano-novo.

Pela proposta, os vereadores passariam a ter direito de colocar na conta da Câmara os gastos que fizerem, por exemplo, com a própria alimentação e com a publicação de jornais e folhetos para divulgar seus feitos. Seria, na prática, uma réplica do que acontece na Assembleia Legislativa, que dá a seus 54 deputados o direito de serem ressarcidos em até R$ 31 mil por mês por gastos que fizerem com combustíveis, correios, telefone etc. Graças a essa generosidade com o dinheiro público, só neste ano os parlamentares já consumiram gasolina em quantidade suficiente para dar algumas voltas em torno da Terra, como mostrou a Gazeta do Povo.

Os vereadores querem para si algo semelhante. Não sabem ainda qual o valor do ressarcimento a lhes ser concedido, mas propõem substituir parte das vantagens de que já se beneficiam atualmente por uma cota fixa em dinheiro. Assim, em vez de receberem o direito a 200 litros de combustíveis, a 3 mil selos postais e a 4 mil cópias xerográficas, preferem apresentar no fim do mês notas dos gastos que fizerem referentes ao exercício de seus mandatos – o que incluiria a própria alimentação em restaurantes.

Os vereadores navegam contra a corrente. No momento em que a sociedade se conscientiza e leva às ruas o seu protesto contra a gastança desenfreada e descontrolada do dinheiro público, os legisladores municipais buscam acrescentar ganhos indiretos instituindo para si mesmos privilégios não consentâneos com o desejo e com as necessidades mais prementes da população que dizem representar. O que não deixa de ser, para dizer o mínimo, um atentado contra o princípio constitucional da moralidade.

Some-se a isso a inevitável decepção que a proposta provoca em todos quantos se lembram de que, há tão pouco tempo, a Câmara Municipal venceu um longo período de desgaste de sua reputação e prestígio ao destituir um presidente e forçá-lo a renunciar ao mandato após graves denúncias de corrupção. Imaginava-se que a Câmara estivesse inaugurando agora um novo tempo, deixando para trás irrelevâncias que consumiam a maior parte de suas atividades, como as de propor nomes de ruas e distribuir honrarias a amigos, para dedicar-se a temas sérios e conduzidos com igual seriedade, de que é exemplo recente a realização da CPI do Transporte Coletivo.

Se voltar à pauta e, sobretudo, se for aprovada, a proposta de criação do sistema de ressarcimento representará um enterro simbólico das esperanças.

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