A reação atrasada – mas muito bem-vinda – do governo federal em anunciar o emprego das forças federais de segurança para restabelecer a legalidade no país parece estar surtindo efeito. Ainda na tarde desta sexta-feira (25), na esteira desse anúncio, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) já tinha divulgado uma nota para pedir aos caminhoneiros parados nas estradas que “retirem as interdições nas rodovias, mas, mantendo as manifestações de forma pacífica, sem obstrução das vias”. Um respiro de razoabilidade. No início da noite, as autoridades federais detalharam a estratégia para garantir as necessidades básicas do país, que não pode ficar refém do movimento. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), respondendo a um pedido formulado mais cedo pelo governo, autorizou o uso de força e a imposição de multas sobre caminhoneiros, empresas e entidades que dificultem a desobstrução de estradas.
A reação das autoridades restabelece o primado da lei no país. A Constituição e a legislação garantem o direito de greve, mas a Lei 7.783/1989 (Lei de Greve) proíbe a prática de locaute, a “greve patronal”. Da mesma forma, a lei garante, seguindo a trilha do artigo 9º da Constituição Federal, o “atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, por meio da manutenção de atividades essenciais, como o tratamento e o abastecimento de água, a produção e a distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis, a assistência médica e hospitalar e a distribuição de medicamentos e alimentos. Essas regras refletem a compreensão de que as pessoas podem exercer seu direito de greve, mas não abusar dele, desrespeitando os direitos de outras pessoas, muito menos colocando em risco a vida alheia.
Opinião da Gazeta: Democracia atropelada (editorial extraordinário de 25 de maio de 2018)
Em coletiva de imprensa, os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, da Segurança Pública, Raul Jungmann, e do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, anunciaram que o governo editou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com vigência prevista até o próximo dia 04, para garantir o abastecimento de serviços essenciais à população. As forças federais de segurança e o Exército poderão impedir o bloqueio de rodovias, garantir o acesso às refinarias, transportar combustíveis e assegurar o transporte de outros itens de necessidade básica. A medida respeita requisitos da necessidade e da proporcionalidade, garantindo o acesso a gêneros de primeira necessidade, previsto em lei, sem impedir o direito de manifestação dos motoristas. Tampouco se podem esquecer das relações contratuais desrespeitadas pela paralisação. Quem teve perdas materiais, como produtos estragados, e sofreu com danos morais, como a perda de uma viagem importante, pode acionar os responsáveis na Justiça.
Os fins não justificam os meios
As autoridades anunciaram que a Polícia Federal está investigando 20 empresários pela prática de locaute. Ainda segundo os ministros, o presidente Michel Temer também vai editar um decreto de requisição de bens, com base no inciso XXV ao artigo 5º da Constituição Federal, para que as forças de segurança possam, se houver necessidade, usar veículos privados dessas empresas investigadas. O bem comum pode requerer, e a Constituição autoriza, essa medida extraordinária, e o governo teve mesmo o cuidado de anunciar que não vai requisitar caminhões dos motoristas autônomos.
Opinião da Gazeta: Oportunidade perdida (editorial de 25 de maio de 2018)
A situação do país caminhava para um quadro grave. Caminhões com produtos químicos para tratar água estavam parados em bloqueios, o presidente do Sindicato e da Federação dos Hospitais, Clínicas de Laboratórios do estado de São Paulo já alertava para a falta de insumos hospitalares e oxigênio nos hospitais, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) alertou para a falta de medicamentos e chega a falar energia em alguns municípios no estado de Rondônia. É preciso resolver esses problemas com a máxima urgência e o poder público parece, agora, empenhado nisso.
Todo esse quadro reflete um fato básico da vida democrática, que temos enfatizado neste espaço: a democracia não é mera vontade da maioria e não existe sem Estado de Direito. Mobilizações populares não revogam a ordem jurídica, e protestos e reivindicações devem respeitar os direitos alheios e as instituições do país. Isso vale para protestos da esquerda, da direita ou mesmo da massa de caminhoneiros sem identificação clara com nenhum dos espectros políticos. Na democracia, a correção dos procedimentos – balizada pela lei – importa. E os fins não justificam os meios. Ainda é cedo para saber como esta greve/locaute vai acabar, mas as decisões desta sexta-feira do governo federal e do STF apontam para a direção correta.
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