Na terça-feira, dia 19, o diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal (PF), Rodrigo de Melo Teixeira, foi à Comissão de Segurança Pública do Senado representando o diretor-geral da instituição, Andrei Rodrigues. Tinha uma missão árdua, quase impossível: dar uma justificativa plausível para o surreal episódio em que um jornalista português passou horas retido no Aeroporto Internacional de Guarulhos, no dia 25 de fevereiro – Sérgio Tavares havia viajado ao Brasil para cobrir a manifestação convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em São Paulo. E, sem conseguir justificar o injustificável, Teixeira acabou admitindo implicitamente (pois não o faria explicitamente, é claro) que tudo havia sido, como já se imaginava, uma grande demonstração de que a perseguição por “crimes de opinião” entrou de vez no roteiro de órgãos como a PF, o Ministério Público e o Judiciário.
A primeira justificativa da Polícia Federal para a retenção – Teixeira passou quatro horas no aeroporto, antes de ser liberado para ir à Avenida Paulista – já havia sido desmascarada no próprio dia da manifestação. A PF afirmara, na ocasião, que Tavares não havia apresentado visto de trabalho, o que nem era necessário, devido a uma dispensa concedida a jornalistas provenientes da União Europeia e a um outro acordo específico entre Brasil e Portugal. Sem uma razão objetiva para segurar o jornalista no aeroporto, restavam apenas as razões subjetivas, e foi aqui que a fragilidade das alegações da Polícia Federal se mostrou de forma avassaladora.
Sem conseguir justificar o injustificável, diretor da PF acabou admitindo implicitamente que a retenção de Sérgio Tavares foi uma grande demonstração de que a perseguição por “crimes de opinião” entrou de vez no cotidiano nacional
Teixeira ainda teve a audácia de afirmar que a abordagem havia sido feita com base na lei de controle migratório. Mas qual lei? Afinal, o parágrafo único do artigo 45 da Lei de Migração (13.445/17) diz que “ninguém será impedido de ingressar no país por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política”, e o próprio diretor da PF acabou admitindo que Tavares fora retido exatamente devido a suas opiniões políticas, como, aliás, o jornalista já havia denunciado ao expor os assuntos sobre os quais havia sido interrogado. Para tentar dar alguma legitimidade à ação, Teixeira alegou que publicações do jornalista português “beiram um aspecto criminal”, sem no entanto apresentar um único relatório, print ou transcrição que lhe permitisse defender essa afirmação – seria de se esperar que um diretor da PF, chamado a falar sobre este caso específico, estivesse melhor preparado a esse respeito, a não ser, claro, que o tal “aspecto criminal” não passasse de algo saído da cabeça do próprio diretor ou dos responsáveis pela retenção de Tavares.
E esta segunda hipótese não é apenas a mais plausível; é a explicação acabada. O diretor da PF disse aos senadores ter havido “ataque à honra de ministros da Suprema Corte, o que é crime” – algo muito temerário a se dizer sem que apresente o teor exato de tais afirmações, além do fato de que nenhum ministro prestou queixa, o que impede a polícia de agir por conta própria. Teixeira citou também “a crítica dele [Tavares] à urna eletrônica, em que diz que é fraudada”, mas até mesmo deputados petistas admitem que isso não é crime no Brasil, e por isso mesmo apresentaram projeto de lei para criminalizar tais afirmações. Por fim, e novamente sem apresentar evidências, o diretor da PF citou “o apoio [de Tavares] ao movimento golpista do dia 8 de janeiro ao se posicionar de forma favorável à invasão de prédios públicos”, o que o jornalista negou veementemente – em suas publicações, ele apenas afirma que o vandalismo fora causado por “infiltrados”, sem aprovar a invasão.
Só faltou mesmo Teixeira dizer que seus agentes tinham feito tudo interessados única e exclusivamente na “defesa da democracia”, a justificativa padrão que tem sido adotada até mesmo nos escalões mais altos do Poder Judiciário para a adoção de medidas autoritárias, antidemocráticas, que minam as liberdades democráticas, especialmente a liberdade de expressão, novamente vitimada no caso de Sérgio Tavares. Se os supremos ministros inventam “crimes de opinião” – e até mesmo “crimes de cogitação”, como aconteceu no caso dos empresários investigados por uma conversa de WhatsApp –, quem pode ficar realmente surpreso quando o arbítrio deixa de ser exclusividade das cúpulas e entra no dia a dia de juízes, procuradores, delegados e agentes?
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