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Editorial

O Copom se reúne sob a sombra do pacote de Haddad

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Sede do Banco Central, em Brasília. (Foto: Raphael Ribeiro/BCB)

Nesta terça-feira, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) inicia sua última reunião do ano, e a decisão sobre a taxa Selic será tomada em meio a um ambiente geral de pessimismo, disparado pelo tímido pacote de medidas econômicas – chamá-lo de “pacote de corte de gastos” seria um enorme exagero – anunciado no fim de novembro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A mais recente pesquisa Focus, divulgada nesta segunda-feira, mostrou como as previsões se deterioraram rapidamente, afetando inclusive as perspectivas para os próximos anos.  

A decepção com o pacote tem as mesmas dimensões da expectativa que ele havia gerado, especialmente a partir de declarações de ministros como Simone Tebet, que pareciam estar acordando para o sério problema fiscal que o Brasil atravessa. Os déficits fiscais primários se tornaram recorrentes, a dívida pública como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) está em perigosa trajetória de alta, e a demanda cresce puxada por gastos do governo acima das receitas tributárias e por elevação do endividamento das famílias para compra de bens de consumo. Tudo isso cria pressão sobre a inflação; as consequências já bastante conhecidas deste roteiro são elevações na taxa básica de juros, aumento do preço do dólar (que superou a marca psicológica dos R$ 6) e queda no índice de ações na bolsa de valores (puxada, em parte, pela saída de investidores estrangeiros).

Um aspecto importante é que tais indicadores ruins ocorrem em um momento no qual não há crises de produção. O PIB não está em recessão, pelo contrário: as últimas análises especializadas, inclusive o boletim Focus, preveem que o PIB crescerá 3,39% neste ano e 2% ao ano entre 2025 e 2027. Outro indicador que apresentou melhora é o índice de emprego, mostrando que o setor produtivo está em fase ascendente. Apesar disso, as reações ao pacote de medidas do governo – especialmente a subida da taxa de câmbio, o recuo da bolsa e a expectativa altista da Selic – têm raízes na política fiscal (persistência de déficits fiscais e crescimento da dívida pública, que aumentou R$ 1,8 trilhão na atual gestão de Lula e chegou a R$ 9 trilhões, o equivalente a 78,6% do PIB) e na percepção de que o governo inchou demais a máquina estatal, ampliou gastos com pessoal e custeio, bem como na percepção das empresas e das pessoas de que deve vir aumento da carga tributária, tanto a atual quanto aquela que resultará da reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional. 

A decisão sobre a taxa Selic será tomada em meio a um ambiente geral de pessimismo, disparado pelo tímido pacote de medidas econômicas anunciado no fim de novembro

Apesar de o governo afirmar que seu pacote terá um efeito de R$ 70 bilhões nos gastos entre 2025 e 2026, a promessa tem duas fraquezas sérias: a primeira é o fato de não se tratar de um corte de gastos propriamente dito, mas de uma redução no ritmo da elevação do gasto público, que seguirá crescendo; a segunda é o fato de não haver explicação detalhada de como isso será executado. Outra crença incutida na mente dos investidores, empresários e agentes de mercado (inclusive profissionais liberais e trabalhadores em geral) é de que o governo aumentará ainda mais os gastos públicos em função de medidas como correção de benefícios sociais (como o BPC, o abono salarial, salário mínimo etc.), ao lado de medidas que reduzirão a arrecadação, a exemplo da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais e a taxação de 10% sobre rendimentos acima de R$ 600 mil por ano, mesmo que isentos. 

É bem verdade que o governo fala em rever a aposentadoria dos militares, limitar os supersalários do funcionalismo público e diminuir desembolsos com emendas parlamentares. Esse pacote se mistura a outros anúncios anteriores, como aumento da tributação dos super-ricos, a elevação no imposto sobre doações e heranças, e a tributação sobre dividendos (distribuição de lucros aos acionistas de empresas de capital aberto), e tudo isso assusta o mercado e a sociedade em geral quanto à possibilidade de explosão da carga tributária, a ponto de desestimular a atividade econômica.

Nesse emaranhado de medidas, vale registrar o caso específico da tributação sobre dividendos, distribuídos após a empresa pagar Imposto de Renda de 25% sobre o lucro, mais 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), perfazendo 34% de tributo sobre o lucro de empresas (para os bancos, a CSLL é de 21%; outras instituições financeiras pagam 16%). Todo esse aumento da carga tributária sobre bancos e outras instituições financeiras será repassado para os tomadores de empréstimos por meio de elevação das taxas de juros.

O Copom tem repetido, em seus comunicados e atas, que uma inversão do ciclo de aperto monetário atual depende de medidas fiscais sólidas e críveis. Que o pacote de Haddad não se encaixa nesse critério fica evidenciado pelas palavras do escolhido por Lula para ser o futuro presidente do Banco Central. Em 28 de novembro, Gabriel Galípolo disse que a taxa básica de juros seguirá alta e será calibrada da forma necessária para segurar o avanço da inflação, que já superou o limite máximo de tolerância previsto para o ano, de 4,5%. Galípolo reiterou a necessidade de manter a Selic em patamar contracionista para atingir a meta de inflação fixada em 3%.

Dizendo de outra forma, o novo presidente do BC, que assume o cargo em janeiro, está afirmando que a taxa Selic pode continuar elevada. Enquanto isso, o presidente Lula e a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, continuam sua campanha de ataques grosseiros ao atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, acusando-o de manter a Selic elevada para favorecer os banqueiros. A partir de 2025, quando os indicados por Lula serão maioria no Copom, o Brasil não sabe se prevalecerá o que diz Galípolo, ou se a taxa de juros será aquela que Lula mandar o Copom aprovar – o presidente da República, recorde-se, já chegou a dizer que não faz sentido o BC ter autonomia, nem o fato de Lula não poder dar ordens ao presidente do órgão e demiti-lo caso ele não as cumpra (por mais que a Selic não seja decisão individual, mas dos nove membros que compõem o Copom).

Os elementos de toda essa confusão só podiam dar origem a um pacote tão complexo quanto pífio, que amplia incertezas sobre sua aprovação e sobre o futuro econômico do país. Não é nada surpreendente que, agora, o consenso sobre a reunião que se inicia nesta terça-feira aponte para uma elevação de 0,75 ponto porcentual na Selic, contra a alta de 0,5 ponto que se previa até poucos dias atrás. Como se não bastasse, a última pesquisa Focus mostra que o mercado financeiro espera a manutenção do ciclo de aperto em 2025, com uma piora ainda mais drástica nas previsões, que um mês atrás eram de Selic em 11,50% no fim do próximo ano, mas subiram para 12,63% na semana passada e 13,50% nesta segunda-feira. Para completar, a mediana das estimativas de inflação para 2025 também já estourou o limite máximo da banda de tolerância, indicando a persistência da temida “desancoragem das expectativas”, que o Copom considera o principal gatilho para novas altas de juros.

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